sábado, 24 de maio de 2025
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Comer ou dormir bem: qual é a melhor opção?

Alimentos ultraprocessados fazem mal à saúde de forma geral, mas, primeiramente, influenciam na hora de dormir

Foto: Médico pneumologista, Leandro Gritti. Arquivo pessoal.

Por: Emanuella Messias.

Supervisão: Professores Antônio Carlos Cunha e Gabriella Luccianni.

De acordo com o artigo nutricional, “Associação entre indicadores de qualidade do sono e consumo de alimentos ultraprocessados ​​em adolescentes”, publicado em 2024, alguns estudos observaram que as alterações na qualidade do sono são associadas ao consumo de alimentos “ultraprocessados”, termo criado pelo epidemiologista brasileiro, Carlos Augusto Monteiro. Pesquisas indicam que grandes mudanças na duração e qualidade do sono em adolescentes representam um problema de saúde pública, pois contribuem no desenvolvimento da saúde cognitiva, emocional, física e metabólica.

Nesta entrevista, o médico pneumologista, Leandro Gritti, mestre em medicina, ciências médicas, pela UFRGS e atuante em Medicina do Sono pela Associação Médica Brasileira (AMB), aborda algumas questões relacionadas ao tipo de alimentação que um adolescente tem, neste caso, de ultraprocessados, e como afeta no período de repouso, a hora de dormir.

Agência Impressões: Quais são as principais necessidades de sono na fase da adolescência? 

Leandro Gritti: As necessidades de sono, se referindo basicamente à quantidade de horas de sono, variam com a idade e o desenvolvimento da pessoa, ou seja, recém-nascidos, bebês precisam de muito mais horas. Essa necessidade vai reduzindo e estabiliza entre 7 a 8 horas no indivíduo adulto, idoso. O adolescente, se contarmos a partir dos 13 e 14 anos, varia entre 7 a 10 horas de sono, seria o tempo de sono ideal.

Agência Impressões: Como a alimentação influencia na qualidade do sono?

Leandro Gritti: Acreditamos que o sono e a alimentação têm uma relação bidirecional. A má qualidade do sono, especialmente a privação, ou seja, dormir menos horas do que o necessário, está associada a um apetite peculiar por substâncias de maior densidade calórica, como carboidratos e gorduras. A falta de sono altera a secreção de alguns hormônios, como a grelina e a leptina. A grelina estimula o apetite, enquanto a leptina está associada à sensação de saciedade. Assim, a privação do sono acaba modificando tanto a secreção quanto o efeito desses hormônios, levando a uma preferência por alimentos mais calóricos. Além disso, quem dorme pouco tende a se sentir mais cansado e menos disposto a praticar atividade física, o que diminuiria o gasto energético e, consequentemente, favorece o aumento de peso. O indivíduo, então, passa a optar por alimentos de baixa qualidade nutricional e alto valor calórico. Existem também dados de estudos que mostram a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a má qualidade do sono, especialmente em casos de insônia, embora os mecanismos específicos ainda não sejam totalmente conhecidos. Muitos desses alimentos contêm substâncias estimulantes, como a taurina, além de produtos com achocolatados (que têm cafeína), chá mate, chá preto, chá verde, refrigerantes, guaraná em pó e bebidas energéticas de forma geral. O consumo dessas substâncias, que atuam como estimulantes do sistema nervoso central, prejudica a qualidade do sono. Além disso, há evidências de que os ultraprocessados, devido ao alto teor de gordura, sódio e açúcares, podem estimular um estado pró-inflamatório no organismo, o que também pode impactar negativamente o sistema nervoso central e, consequentemente, a qualidade do sono.

Agência Impressões: Acontece alguma coisa no sistema do cérebro quando o adolescente consome tais tipos de alimentos?

Leandro Gritti: Ao longo da vida, além da quantidade de horas de sono, também desenvolvemos um padrão de sono, o que chamamos de matutinidade e vespertinidade, se refere ao horário preferencial para dormir e acordar. Indivíduos matutinos gostam de dormir cedo e acordar cedo, enquanto os vespertinos preferem dormir e acordar tarde. Ao nascer, as crianças tendem a ser matutinas, dormindo e acordando cedo. Na adolescência, ocorre o chamado atraso de fase: o jovem se torna mais vespertino, passando a dormir e acordar mais tarde. Assim, é normal que adolescentes não sintam sono cedo; o horário ideal que gostariam de dormir seria por volta da meia-noite ou ainda mais tarde. Obviamente, no dia seguinte, pelas questões fisiológicas, ele gostaria de dormir até 10h da manhã. No entanto, ele precisa se levantar cedo, por volta das 6h, para ir à escola. Essa rotina leva à privação de sono, reduzindo o número de horas dormidas e causando consequências como irritabilidade, baixa concentração, sonolência diurna, além daquilo que comentamos antes sobre a grelina e leptina, hormônios que regulam a fome e a saciedade. Lembrando que essa privação de sono faz o organismo preferir alimentos com maior densidade calórica. Resumindo: o adolescente sente sono mais tarde, fisiologicamente, ele tem que acordar cedo, por causa da escola e ele acaba se privando de sono, induzindo, devido às alterações metabólicas, a querer alimentos não saudáveis.

Agência Impressões: Quais componentes, nos ultraprocessados, afetam a qualidade do sono?

Leandro Gritti: Vários ultraprocessados podem ter substâncias estimulantes, como a lista que comentamos antes. E os ultraprocessados que não têm esses estimulantes podem afetar também, porque eles não são fontes do triptofano e da melatonina. Esses dois são importantes em sinalizar para o nosso cérebro que é noite, o que chamamos de ciclo circadiano – regula funções biológicas como sono. Portanto, os ultraprocessados são pobres em todos os nutrientes, porque basicamente contém sal, açúcares e gordura; sem ter os diversos aminoácidos, o triptofano, a melatonina e os outros nutrientes dos grupos alimentares que precisamos, seja dos lipídios, das proteínas, dos carboidratos, das mais diversas vitaminas presentes num alimento, como vegetais frescos, frutas frescas, carne, leite, ovos etc.

Agência Impressões: O consumo de ultraprocessados à noite impacta de forma diferente o sono, comparado ao consumo durante o dia?

Leandro Gritti: Alimentos muito “pesados”, muito gordurosos, uma refeição muito volumosa perto do horário de dormir, obviamente, atrapalha porque dá uma sensação de estufamento, de estômago cheio, o que pode atrapalhar o início do sono, além de aumentar a chance de ter refluxo, azia, desconforto que atrapalham o sono.

Agência Impressões: Quais são os efeitos desse tipo de alimentação mais o acesso às telas antes de dormir?

Leandro Gritti: Temos, na nossa retina, sensores que captam a luminosidade ambiente. Quando escurece, esses pigmentos da retina, chamados melanopsina, enviam sinais para o hipotálamo e, a partir dele, para a glândula pineal, indicando que é noite. O resultado disso é o aumento gradual da secreção de melatonina, hormônio que ajuda a ajustar o nosso relógio biológico, sinalizando que é noite e que está na hora de dormir. Portanto, essa exposição à luz artificial, especialmente a luz do espectro azul – que corresponde a determinado comprimento de onda -, tem um grande poder de bloquear a síntese e a liberação da melatonina. Além do efeito da luz, também depende do conteúdo que você visualiza nessas telas, pois podem ser conteúdos mais estimulantes que vão ativar a atividade cerebral, retardando o início do sono, o que provoca insônia. Portanto, a qualidade de sono envolve um conjunto de coisas com relações bidirecionais e integradas.