Por João Fellipe.
Era para ser apenas mais um trajeto: a volta da festa de aniversário da cidade de São João d’Aliança, na região da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Mas, naquela madrugada de 11 de novembro, a vida de Daniel Reges tomou um rumo trágico. Ele estava no carro com seu irmão mais velho, Jhonny Reges, e dois primos, quando o veículo capotou na GO-118, nas proximidades de Alto Paraíso.
Jhonny, de 22 anos, jogador do Cerrado Esporte Clube, perdeu a vida no acidente. Daniel, então jogador das categorias de base do Vila Nova, foi socorrido em estado grave e transferido para Goiânia, enfrentando seis longas horas de viagem de ambulância. A notícia devastadora abalou profundamente sua família, amigos e moradores da região.
Daniel foi levado ao Hospital de Urgências de Goiás (Hugo) no dia 11, onde passou a noite em espera para realizar o procedimento cirúrgico. No dia seguinte foi transferido para o Hospital Santa Mônica, em Aparecida de Goiânia, devido à necessidade emergente de cirurgia. Ele teve uma fratura-luxação na coluna cervical e passou por uma cirurgia para descomprimir e estabilizar a vértebra que durou cerca de 7 horas.
A cirurgia foi realizada pelo neurocirurgião Dr. Fernando Azeredo e uma equipe multidisciplinar. Em suas redes sociais, o médico alertou para a necessidade do uso do cinto de segurança. “Esta semana operei uma fratura-luxação da coluna cervical. Ressalto a importância do uso do cinto de segurança em qualquer assento do automóvel. Este paciente foi ejetado do carro, teve essa fratura machucando a medula cervical e, como consequência, ficou tetraplégico.”
A pancada foi muito severa, a cirurgia foi um sucesso, mas muitas marcas ficaram. “Resolvida a luxação, substituí o corpo vertebral por um espaçador, coloquei placa e parafusos, porém o tecido nervoso, uma vez lesionado, não se recupera”, completou em suas redes sociais.
Hoje, ele consegue movimentar o tronco e os braços, mas perdeu o controle da maior parte do corpo e enfrenta o desafio de recuperar o movimento das mãos. Durante o processo de recuperação, Daniel também enfrentou infecções causadas por bactérias multirresistentes — um dos maiores obstáculos no tratamento.
Foram dois meses de internação, com momentos críticos na UTI, entre idas e vindas e outra recaída extremamente delicada no mês de maio, quando passou outro período longo internado e voltou à UTI. “Já fez um ano e meu filho tentando, tentando, sempre tem as recaídas. Chora por causa do irmão”, conta sua mãe, emocionada.
A dor de perder um irmão
A ausência de Jhonny não é algo que Daniel consegue esquecer ou colocar de lado. É uma ferida que, mesmo um ano depois, parece estar sempre aberta. Não era apenas o irmão que ele perdeu naquela madrugada, mas também uma parte de si mesmo. Ele vive com a saudade constante. Relembra as conversas, as brincadeiras e os conselhos, com muita dor nos dias mais difíceis. Daniel lembra que, poucos minutos antes da tragédia, deu um beijo em seu irmão.
Jhonny sempre estava ao lado do irmão. Daniel conta que eles estavam mais próximos que nunca e viviam jogando campeonatos juntos. Ele o incentivava. A dor não está apenas na perda, mas no vazio deixado pelas promessas que nunca serão cumpridas. Eles sonhavam juntos e agora Daniel tem a missão de aprender a conviver com o novo quando tudo o lembra o antes.
Choque de realidade
Hoje, Daniel também passa por outro luto, o de seu corpo. Para um menino de 17 anos, que vivia de suas pernas, de seu futebol e da sua liberdade, viver essa realidade muitas vezes é um pesadelo.
Atualmente, ele passa boa parte do tempo assistindo a filmes, sob os cuidados do serviço de homecare na casa de sua vó, onde tem o apoio da família. Ele enfrenta limitações diárias, como a necessidade de uma traqueostomia, que exige auxílio constante para expelir secreções devido à falta de força para tossir. Ela também limita a sua capacidade de fala, que varia dependendo de sua força, o que dificulta a comunicação em certos dias.
A esperança vem de Deus, para a família de Daniel, que vê em seus olhos um milagre em vida, pela força que ele teve durante o processo e por estar lutando e se recuperando hoje. A mãe se diz aliviada apenas pela vida de seu filho. “Cada dia uma vitória, né? Que ele vai enfrentando, vai passando assim por dificuldade, mas, graças a Deus, ele tem um ano, fez um ano e o bichinho está aí com a gente lutando, batalhando. E eu, para mim, é só sofrimento, mas eu agradeço a Deus só do meu filho estar vivo.”
O impacto dos acidentes de trânsito no Brasil
A história de Daniel Reges não é isolada. No Brasil, acidentes de trânsito são responsáveis por muitas mortes e sequelas graves, incluindo lesões medulares como a de Daniel. De acordo com dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), em 2022, o país registrou mais de 1 milhão de acidentes de trânsito, resultando em 33,8 mil mortes, uma média de 92 vidas perdidas por dia.
Além disso, uma pesquisa da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) de São Paulo, publicada no G1 em 2009, revela que os acidentes de trânsito representam 38,6% das lesões medulares traumáticas no Brasil. Esses números colocam os acidentes automobilísticos como a principal causa de fraturas na coluna e lesões na medula em pacientes jovens.
Os dados reforçam o cenário alarmante de um trânsito marcado por imprudência, falta de fiscalização e ausência de políticas públicas mais incisivas. É imperativo que haja um fortalecimento de programas de educação no trânsito, campanhas de conscientização e punições mais rígidas para condutas imprudentes. Além disso, a criação e aplicação de políticas públicas eficazes voltadas à segurança viária, infraestrutura e à formação de condutores podem fazer a diferença na redução desses números devastadores.
A força do sonho
Um ano após o acidente, Daniel viveu um marco em sua recuperação: seu primeiro passeio desde a tragédia. Ele saiu para atividades simples, mas cheias de significado, como passar em um drive-thru, pedir um caldo de cana na beira da estrada e até visitar o estacionamento de um shopping. Para ele, esse foi um momento transformador. “Voltar a fazer coisas que eram do meu dia normal, sair para aproveitar coisas que eu amava, foi muito especial sentir e ver o mundo.”
Agora, Daniel tem novas metas: entrar no shopping, aproveitar momentos em família na praça de alimentação e reencontrar pessoas queridas em sua cidade natal. Para ele, os melhores momentos do dia são quando está rodeado pela família, conversando, mesmo que sobre os assuntos mais simples. “Amo minha família. No meu dia, a melhor parte é conversar com eles”, compartilha.
Apesar de todas as limitações, o sonho de superar os desafios permanece. Tanto Daniel quanto sua mãe têm uma meta clara: voltar a andar. “O que eu peço para Deus, e ele também, é ele levantar, andar e ter saúde. Isso aí é o nosso sonho. É o que nós, assim, mais pedimos a Deus. Que ele venha andar novamente”, diz ela.
Daniel demonstra resiliência e coragem, servindo como inspiração para todos ao seu redor. Sua trajetória é uma prova de como o amor e a esperança podem iluminar até os dias mais difíceis.
Uma lição de vida
Para sua mãe, a história do filho é uma aula diária de força e amor, reforçando o carinho que Daniel tem pela família e como ela o motiva em seus dias mais difíceis. “O médico perguntou para ele: ‘você quer ficar no hospital?’ Em momento algum. A preferência dele é estar com a família. É uma coisa, assim, que ele se sente bem. E eu também, o que meu filho decidir, o que for bom para ele, eu estou com ele”, conclui, com a voz embargada.
Daniel Reges não é apenas um jovem ex-jogador enfrentando as consequências de um acidente. Ele é um exemplo vivo de determinação, buscando novos significados para a vida, guiado pelos laços familiares e pela esperança de dias melhores.
É uma história se escrevendo, uma vida em recuperação, superando lutos, no plural, traumas, se religando às pequenas coisas da vida. Daniel enfrenta as infecções, a saudade, as dores físicas, o medo, a incerteza e ainda sobra forças para ser a luz de sua mãe e de sua família, uma ressignificação de amor e a promessa de novas chances.