Por Ana Luiza Fernandes, Mariana de Aguiar e Paulo Vitor Rodrigues
Supervisão: professores Antônio Carlos Cunha e Gabriella Luccianni
Na sociedade contemporânea, qualquer emprego exige um nível de produtividade muito alto, fazendo com que trabalhadores se dediquem por horas, às vezes até mais do que deveriam, o que acaba interferindo no restante da rotina. No meio de tanto tempo trabalhando, as pessoas ainda têm que se preocupar com uma boa alimentação, ou deveriam, já que essas longas jornadas ocupam o tempo disponível. Sobre esse assunto, a nutricionista Alline Angélica Aguiar Pires tirou dúvidas e deu dicas úteis para o dia a dia de quem deixa de lado as refeições.
A nutricionista entende que a rotina exaustiva da população impacta os hábitos alimentares e a falta de tempo dificulta o planejamento das refeições, que dão lugar a comidas menos saudáveis, mas de fácil preparo. “Normalmente são alimentos ultraprocessados ou optam por comer fora em restaurantes. Esses alimentos são menos nutritivos e mais calóricos.”

Alimentos ultraprocessados são produtos industrializados que passaram por várias etapas de manipulação e contêm muitos ingredientes artificiais. São geralmente pobres em nutrientes e ricos em calorias, açúcar, gordura e aditivos químicos. Essa falta de nutrientes e excesso em calorias é outro tema que Alline fez questão citar.“
Temos estudos que afirmam que o alto teor de açúcar e de gorduras saturadas acabam interferindo tanto na saúde mental quanto física. Esses problemas normalmente são causados pelo aumento do consumo desses alimentos, e estão diretamente associados ao risco de depressão, ansiedade, porque eles causam uma inflamação crônica em todo o indivíduo, além de alterar o humor, tendo em vista essa longa rotina caótica onde as pessoas ficam grandes períodos sem se alimentar, então, ficam mais irritadas e fadigadas. E esse período de jejum extremo pode causar alteração na função cognitiva dos indivíduos.”
Em março de 2024, a BBC News Brasil fez uma reportagem sobre os prejuízos dos ultraprocessados para a saúde. Nela são citados estudos feitos pela universidade King’s College de Londres, que afirmam que um longo período de consumo pode causar doenças cardíacas, câncer, derrame e demência. Outro estudo realizado pelas instituições Universidade de São Paulo (USP), Fiocruz, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidad de Santiago de Chile, mostra que esse número chegou a 200 mil mortes por ano, como informa o site O Joio e o Trigo.

Para o gerente comercial Elias Gabriel, sua vida corrida é a realidade pura e crua. Desde que assinou a carteira no ano passado, ele viu a alimentação piorar significativamente. “Saio de casa tão cedo que nem dá tempo de pensar em café da manhã. Só vou comer alguma coisa lá para uma da tarde”, contou. E, muitas vezes, depois de um dia longo de trabalho, o corpo pede cama antes de pedir comida. “Às vezes nem janto, prefiro deitar do que encarar o fogão.”
O almoço, única refeição garantida do dia, também sofre com a falta de tempo e energia. A praticidade sempre fala mais alto, muitas vezes macarrão e bife esquentados no micro-ondas, quase sempre sem espaço para frutas, legumes ou uma simples salada.
Antes de encarar o mercado de trabalho, Elias levava uma rotina alimentar mais equilibrada, pois tinha o apoio da mãe e o tempo livre de quem só precisava estudar. Mas hoje, na correria da vida adulta, a realidade é outra. “Minha alimentação piorou absurdamente. Já teve dia que eu só comi doce, ou que simplesmente não comi nada”, admitiu.
Apesar das dificuldades, Elias tem consciência da necessidade de mudanças. Se pudesse, traria mais variedade e qualidade para o cardápio: pratos mais temperados, proteínas de verdade, verduras, saladas. “Hoje eu como só porque preciso, não por prazer”, disse, num desabafo que resume o drama de muitos brasileiros que na correria do dia a dia acabam deixando a saúde para depois.
A socióloga Elizabete Bicalho retorna ao passado para explicar as origens da falta de qualidade na alimentação, nas origens da sociedade capitalista. “A má alimentação tem relação com a estrutura da sociedade moderna que se instalou no século XVIII na Europa, especificamente na Inglaterra, e que continua em desenvolvimento de forma agora globalizada, onde as sociedades são estruturadas com base na má distribuição de bens e de meios de produção criado pelo grande número de desigualdade social”, explica a professora. É essa desigualdade que torna incapaz os trabalhadores de poderem consumir alimentos todos os dias ou que de fato conduzam à saúde.
Muitos utilizam termos como merecimento ou competência para tentar mascarar o real motivo da falta de oportunidades da classe mais pobre, mas a professora pensa de modo diferente. “É uma questão não de meritocracia, pois as oportunidades que surgem ao nascer já são diferentes entre as pessoas e essas diferenças geram situações de exploração, que vão propiciar desigualdades sociais e também culturais. Nossa sociedade gera oportunidades de alimentação diferentes.”
A sociologia, assim como várias áreas dos estudos sociais, busca alternativas mais reais para esse dilema. Atitudes como caridade ou doações são lindas e humanas, mas não mudam o mundo. É preciso derrubar essa sociedade onde homens exploram homens. “Teríamos que construir outra sociedade, com práticas, políticas, relações políticas que vão de forma emancipadora falar em direitos políticos. Mas isso passou a ser ilusão gerada pelo sistema liberal que determina posições diferentes, antagônicas. Enquanto banqueiros e donos de grandes quantidades de terras, visam o lucro, o trabalhador quer uma melhor condição de trabalho, quer um melhor salário. Lucro e salário são coisas diferentes, e a humanidade ainda não resolveu esse dilema”, esclarece a socióloga.
É muito difícil encontrar uma luz no fim desse túnel quando se vê cercado de problemas, seja a falta de tempo ou os malefícios de uma dieta desequilibrada, mas Alline garante que tem jeito. “Se for preparado com antecedência, com frutas e legumes, você pode até congelar, o que facilita no preparo das refeições. Fazendo um planejamento das nossas refeições, dedicando um tempo do nosso dia em um momento mais tranquilo, ou em um final de semana, efetuando as compras e antecipando o preparo de alguns alimentos, porque devido a essa rotina corrida, nós acabamos com menos tempo durante a semana.” No fim ela ainda cita o preparo de marmitas como uma outra opção saudável e prática para esses momentos.