Por Caio Mounif
Ângela Teixeira de Moraes é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás, mestra e doutora em Estudos Linguísticos e autora dos livros “Jornalismo e educação: (des) encontros discursivos” e “Comunicação e discursividade: teoria e dispositivos analíticos da AD”. No dia 24 de abril, às 10h, ela e o professor Dennis de Oliveira (USP) vão participar da primeira mesa do Encontro Nacional de Jornalismo (Enejor), realizado pela Abej. Em entrevista à agência Impressões, a professora explica o tema da mesa “O paradigma da objetividade em contexto decolonial” e aborda a importância da educação para as mídias como estratégia contra a desinformação.
Impressões: No artigo “Objetividade jornalística: reflexões sobre uma possibilidade de construção de conhecimento”, escrito em parceria com Barbosa, a senhora aborda as discussões contemporâneas sobre os diferentes conceitos de objetividade. A maioria dos pesquisadores a considera um mito, mas também existe quem defenda formas de se atingir algum nível de objetividade. Qual é a sua visão sobre o tema?
Ângela: O conceito de objetividade surge no jornalismo como uma tentativa de reproduzir a mesma ideia defendida pela ciência positivista, ou seja, a possibilidade de apreensão do real sem interferência daquele que vai pesquisar, descrever ou explicar a realidade. O conceito é bastante relativizado hoje nas ciências humanas e sociais, pois já se sabe que o olhar do cientista ou do jornalista sobre a realidade que o cerca é afetado por crenças, critérios de verdade, valores defendidos por uma área profissional ou de conhecimento e políticas editoriais. Todavia, mesmo que esses elementos de subjetividade estejam presentes no trabalho jornalístico ou científico, a realidade fática pode ser dissertada. É possível recorrer a elementos e instrumentos de verificação mais confiáveis e se chegar a uma verossimilhança dos acontecimentos. Por exemplo, em um evento em que vários profissionais estejam fazendo uma cobertura, cada texto será diferente (palavras escolhidas, ênfase a determinados aspectos desse evento), mas eles serão também muito parecidos entre si porque partem de uma mesma matéria-prima.
Impressões: O processo de produção e redação jornalística parece simples, mas, para os estudantes da graduação, que muitas vezes chegam à universidade, permeados pelo excesso de subjetividade presente nas mídias sociais, torna-se complicado. Qual é a importância do paradigma da objetividade no ensino de jornalismo?
Ângela: Primeiramente, em se tratando do jornalismo informativo como notícias e reportagens, não se pode admitir erros de apuração que levem a inverdades sobre os acontecimentos. Quanto mais se pesquisa, se procura os diferentes pontos de vista, se acessa dados, maior a possibilidade de o texto jornalístico ser representativo dessa realidade. Já no jornalismo opinativo, as interpretações dos fatos são aceitáveis, e o nível de subjetividade é maior e compreensível, por força do próprio gênero.
Impressões: Alguns pesquisadores afirmam que as empresas jornalísticas defendem a existência da objetividade com o objetivo mercadológico de conquistar a credibilidade e confiabilidade em relação ao público. No artigo “Estratégias mercadológicas do jornalismo regional: as mudanças empreendidas pelo Grupo Jaime Câmara”, escrito em parceria com Machado, a senhora aponta mudanças no conteúdo e na linguagem do telejornal Anhanguera com objetivo de conquistar os públicos das classes C, D, E. Aparentemente, essas mudanças deixaram o jornal ainda mais distante da objetividade. O que a senhora tem a dizer sobre essas e outras mudanças vistas no jornalismo?
Ângela: Não podemos confundir adequação de linguagem para dialogar com diferentes públicos com a prática da mentira e da desinformação. Eu posso ser fiel aos fatos mesmo me dirigindo a um intelectual ou a um analfabeto. A ética deve estar presente em ambas as situações. Nessa pesquisa que você cita, foi constatada uma mudança do público para o qual a TV se dirige. Não foi afirmado que eles são antiéticos pelo simples fato de terem mudado os temas de interesse e a abordagem desses temas.
Impressões: O surgimento das mídias digitais potencializou a propagação da desinformação e ampliou o descrédito do jornalismo. Fazendo relação com o tema do Enejor, qual é a importância da educação midiática para garantir a busca pela verdade e pelo direito à informação e comunicação?
Ângela: A educação para as mídias ou o letramento informacional são iniciativas que visam preparar o cidadão para lidar com os conteúdos que ele acessa nos diferentes meios de comunicação e mídias digitais. Saber como são produzidas as informações nas diferentes instituições sociais e contextos, favoreceria a separação do “joio e do trigo”. Por exemplo, discutir quais são os critérios de noticiabilidade do jornalismo, falar da desinformação como estratégia do marketing político, refletir sobre o nosso comportamento frente aos conteúdos duvidosos. Tudo isso é importante para compreendermos o universo das mídias e de seus atores sociais. Com isso, seria mais possível inibir a circulação das informações falsas. Paralela às iniciativas de regulamentação por parte do Estado, a educação nesse sentido é um aporte importante.
Impressões: O decolonialismo se propõe a pensar a partir da herança colonial. Nesse contexto, como fica o paradigma da objetividade?
Ângela: A crença na objetividade absoluta se fortaleceu com o jornalismo industrial nos Estados Unidos a partir do final do século 19, e se espalhou para vários países ocidentais, inclusive o Brasil. Já temos estudos suficientes, brasileiros inclusive, para desafiar esse conceito da objetividade. Entender o contexto histórico do surgimento de cada conceito é importante para problematizá-lo, relativizá-lo e até mesmo superá-lo por novas formas de entendimento sobre o que ocorre no jornalismo. A meu ver, o jornalismo faz uma mediação complexa em seu trabalho de apreensão do real, onde a tensão entre objetividade e subjetividade está presente o tempo todo.