quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
InicialObservatório de Mídia

“Quando nos encantamos pela Inteligência Artificial, perdemos a oportunidade de nos aprofundar na sensibilidade intuitiva.”

Professora Cremilda Medina / Foto: Fernanda Rezende

Profª Drª Cremilda Medina

Um dos principais nomes da Comunicação no país, Cremilda Medina é uma referência nacional e internacional na área. Professora emérita da Universidade de São Paulo (USP), docente no curso de Jornalismo da Universidade Casper Líbero e com participação em várias instituições latino-americanas, ela tem 20 livros publicados e organizou mais de 60 antologias. Neste 11 de abril, às 19h, no canal da PUC Goiás no YouTube, ela vai proferir a Aula Magna do curso de Jornalismo da universidade, com o tema O Revigor da IN (Inteligência Natural) em tempos de IA (Inteligência Artificial). O evento será mediado pela professora Maria Carolina Goos, do curso de Jornalismo, e é promovido pelo Observatório de Mídia da PUC Goiás, dentro da programação do Circuito Ciência em Casa. Antes de começar a entrevista concedida à Agência Impressões, Cremilda fez um breve comentário sobre o assunto do encontro desta quinta-feira.

“A minha intervenção será baseada num aprendizado de seis décadas da Inteligência Natural. Me parece que é mais importante nesse momento, em que há uma euforia com a Inteligência Artificial, reconhecer que ainda há uma longa caminhada na nossa Inteligência Natural. Sempre tive duas vertentes de caminhada: por um lado, a profissão de jornalista, basicamente repórter, e por outro, a área de pesquisa na universidade. O que vou propor ao grupo é discutir sobre o que foi levantado em termos de coletivo no Brasil, na América Latina e até no mundo.”

Impressões– Qual é a diferença entre Inteligência Natural e Inteligência Artificial?
Cremilda – A diferença é que a Inteligência Natural tem sutilezas e perspicácias, enquanto a Inteligência Artificial é um acúmulo de informações. Elas podem ser muito úteis para quem precisa recorrer a elas, mas não atingem a profundidade que precisamos para lidar com o real. A criatividade da Inteligência Natural foi desenvolvida ao longo da humanidade, já a Inteligência Artificial é incapaz de um desenvolvimento criativo. Com a sensibilidade dos cinco sentidos nós captamos sutilezas que a Inteligência Artificial não consegue, como as contradições do mundo e uma consciência coletiva e individualizada. Quando nos encantamos pela Inteligência Artificial perdemos a oportunidade de nos aprofundar na sensibilidade intuitiva. Isso está presente na arte. É por isso que a arte sempre conjuga as minhas pesquisas epistemológicas, já que ela promove uma aproximação com o outro.

Impressões– No jornalismo a Inteligência Artificial é nossa amiga ou inimiga?
Cremilda – Ela é parceira. É uma parceira em que recorremos aos bancos de dados que ela acumula quando necessário, mas isso não exporta o conhecimento desse dado. É preciso ir a campo e não excluir a posição empírica da ciência e a função do repórter no jornalismo.

Impressões – Como a inteligência artificial pode afetar a prática do jornalismo de forma positiva e negativa?
Cremilda – Positivamente, é aquela velha história… Sou de um tempo que tínhamos que buscar o arquivo antes de ir a campo e me preparava como repórter vendo vestígios já registrados. Hoje isso é muito mais fácil, graças aos sistemas digitais. A era digital dá a possibilidade de a gente documentar. Podemos nos fornecer desses dados acumulados, mas não substitui a narrativa mais completa do acontecimento. Pesquisamos através da narratologia, que a área de letras nos fornece, quando vamos atrás de informações e transformamos uma produção simbólica numa narrativa. A completude se dá no contato direto com a realidade e num contato direto de montar uma condição, constatando que a IN não está destronada pela IA. Negativamente, eu acho que afeta desde uma formação universitária e tenho percebido que passa por todas as etapas do século XXI. A IA não abarca a sensibilidade e criatividade da IN.

Impressões – Como você enxerga o uso de Chat GPT e outros softwares de Inteligência Artificial para produção de notícias, matérias ou até pesquisas acadêmicas?
Cremilda – Eu vejo com muita preocupação. Meu neto me levou para frente do computador e começou a discorrer sobre a importância do Chat GPT. Eu disse para ele tomar cuidado, dizendo que o Chat GPT não tem gentilezas, não é criativo e não compreende sobre as contradições do mundo. Num livro que publiquei em 2021, eu faço histórias lúdicas em tempos de pandemia e começo falando sobre o nascimento dos meus netos. Meu neto Tomás leu o livro e me mandou um feedback dizendo que havia gostado muito e ainda disse que eu escrevia muito bem. Ele leu esse livro e depois leu o texto em que faço uma escrita lúdica em tempos de pandemia. No texto, conversávamos com todos os quadros e fotografias e as coisas que estão nas paredes. Depois que ele leu o texto, pedi para ele perguntar para o Chat GPT se ele poderia me dar um texto conversando com as paredes. Ele respondeu: sinto muito, mas as paredes não falam. O Chat GPT é incapaz de falar para as paredes, então projetar para o Chat GPT a expressão de um determinado fato ou acontecimento para autoria do Chat GPT é um risco de empobrecer nossas crianças.

Impressões – O jornalista precisa promover uma conscientização social dentro desse momento de modernização e avanço das tecnologias?
Cremilda – Isso foi sempre. Vou citar uma experiência que eu tive na América Latina, quando nos anos 1960 para 1970 nós vocalizamos uma luta pelo direito social à informação. A manifestação aconteceu diante das agências internacionais porque nós tínhamos que ter a nossa própria voz, que pudesse destacar a voz local. Nós não estávamos sediados na corrente transicional, mas lutamos pelo direito social pela informação. Queremos uma responsabilidade social que se revista no conhecimento humanístico da história e que garanta que a contemporaneidade seja mais elástica que a modernidade. Nós estamos trazendo uma herança de muitos tempos pela luta pela humanização e da justiça social. Essa responsabilidade social é capaz de ativar uma sensibilização que posa pintar um quadro muito mais humanístico que o possível antes de nós. E as tecnologias podem servir economicamente para um bom desempenho, no meu caso, que tenho até um livro sobre isso. Penso que a responsabilidade social é muito mais um laço solidário com o outro, um signo de relação que preciso chamar de pluralógica e é bem mais dinâmica do que um simples diálogo que se estabelece na sociedade do coletivo.

EQUIPE DE PRODUÇÃO JORNALÍSTICA:

Edição final: Rogério Borges

Entrevista: Catarina Lima

Fotografia: Fernanda Rezende

Supervisão Geral: Rogério Borges (Jornalismo Opinativo) e Carolina Zafino (Ciberjornalismo).

*O conteúdo produzido e publicado no Impressões, no espaço do Observatório de Mídia da PUC Goiás, é resultado de um processo de aprendizado pedagógico do curso de Jornalismo da PUC Goiás dos alunos nas disciplinas de Jornalismo Contemporâneo e Jornalismo Opinativo.