Por Guilherme Ferreira
Recentemente, uma rede de loja de departamentos publicou um vídeo mostrando vários autores de furtos em seus estabelecimentos. Na publicação, a empresa disse que “deixaria famosos” os autores que estavam praticando os supostos furtos. A rede ainda prometeu que publicaria vídeos como esse todos os meses em suas redes sociais. Nos comentários da publicação, muitos usuários apoiaram a marca: “Esperando os próximos episódios”.
De acordo com o Código Penal, o crime de furto simples é punível de reclusão, de um a quatro anos, e multa. A pena, segundo a lei, aumenta um terço em caso de horário noturno. Se o criminoso é primário e o furto tem pequeno valor, o juiz pode substituir a reclusão por detenção, reduzir a pena ou aplicar apenas multa.
Mesmo em caso de furto, a advogada Millena Cristina explica que publicar vídeos é crime. “A publicação dessas imagens nas redes sociais pode levar a ações por danos morais ou mesmo à configuração de crime contra a honra, que estão tipificados nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro”. Nesses artigos, a lei 2.848/1940 prevê punição para os casos de calúnia, difamação e injúria.
Ao publicar um vídeo de segurança interna, o empresário precisa estar ciente que pode prejudicar o processo judicial do caso. “Se a defesa do acusado argumentar que a divulgação antecipada comprometeu a imparcialidade do julgamento ou que houve violação de cadeia de custódia da prova, o juiz pode considerar a prova inválida ou restringir seu uso.”
Além de prejudicar o processo, o empresário precisa estar ciente de que se trata de uma infração à lei. “A divulgação pública sem autorização ou sem uma justificativa legal pode ser considerada abusiva e gerar responsabilidade civil, por violar o Direito à Imagem e à Privacidade”, estes assegurados pela Constituição Federal, no parágrafo X do artigo 5º, e no Código Civil, disposto no art. 186.”
O empresário deve ter cuidado ao publicar vídeos nas redes sociais, pois precisa seguir as leis brasileiras, mesmo que as gravações tenham sido feitas em seu próprio estabelecimento. “A divulgação deve ser feita à polícia ou a autoridades competentes para preservar a integridade da investigação e a presunção de inocência”, recomenda a advogada.
“Larápia”
Em Formosa, um grupo de quatro pessoas com crianças foi acusado de furto em uma loja de conveniência após o proprietário do estabelecimento divulgar um vídeo, sem confirmação do ocorrido, em um grupo de funcionários no WhatsApp. Um dos funcionários, sem permissão, espalhou o vídeo para outros grupos. A Justiça considerou que a acusação foi precipitada e baseada em provas insuficientes, condenando a loja a pagar indenização por danos morais aos acusados.
De acordo com o processo, um dos indivíduos envolvidos relatou que, enquanto brincava com as crianças, pegou inadvertidamente duas sacolas em um estabelecimento comercial. Segundo ela, um dos sacos continha carne e estava na mão de seu cunhado, enquanto a outra estava na cesta de compras. A envolvida afirmou que todas as compras foram pagas antes de deixar a loja. Ao chegar em casa, ela colocou as sacolas no balcão e não notou o conteúdo delas.
No dia seguinte, o vídeo que mostrava o suposto furto da carne e de um barbeador começou a circular na rede social WhatsApp. A acusação se espalhou rapidamente, resultando em constrangimento público e humilhação para os acusados. Uma das pessoas acusadas relatou que foi chamada de “larápia” em público e achou necessário tirar os filhos da escola por 15 dias devido ao constrangimento.
Os autores ingressaram com uma ação indenizatória por danos morais contra a loja, após serem acusados pelo proprietário de terem pegado uma sacola de compras pertencente ao funcionário, que continha carne, mandioca, linguiça e um barbeador. Em resposta à ação judicial, o empresário registrou um Boletim de Ocorrência contra os autores, intensificando a disputa legal entre as partes envolvidas.
O juiz de Direito julgou a ação procedente, condenando o estabelecimento ao pagamento de R$ 2 mil para cada um dos quatro autores, totalizando R$ 8 mil em indenização por danos morais. Na decisão judicial consta que “de todo modo, nada justifica a conduta do representante legal do proprietário e de seu funcionário, ao fazerem a divulgação de vídeo acusando os reclamantes de terem furtado o estabelecimento e, ainda, em redes sociais, ofendendo, com isto, a honra objetiva e subjetiva destes, maculando-os perante a sociedade, sendo o fato passível de reparação por danos morais, na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil. A responsabilidade da reclamada é objetiva, nos termos do artigo 932, inciso III, do Código Civil.”
A loja entrou com recurso visando a reforma da sentença que a condenou a pagar indenização por danos morais. A empresa argumentou a inépcia da inicial e sustenta que os autores realmente tinham a intenção de furtar as mercadorias. Além disso, solicitou a exclusão da indenização ou, alternativamente, a redução do valor para R$ 250,00 para cada indivíduo acusado. O comércio também requereu a produção de provas, a procedência dos pedidos contrapostos e a condenação dos autores por litigância de má-fé, buscando reverter a decisão judicial anterior. O pedido de recurso foi indeferido.
No Jornalismo
Muitos crimes não julgados são de relevância pública e têm notabilidade em telejornais e sites de notícias. Em alguns casos, são compartilhados vídeos de segurança, tanto interna quanto externa, para complementar o conteúdo jornalístico.
Segundo a jornalista e editora do G1 Goiás, Millena Barbosa, a publicação de materiais jornalísticos com vídeos aumenta a audiência. “As pessoas, hoje em dia, gostam mais de assistir do que ler, então, às vezes, ela não lê todo o texto, mas assiste o vídeo. Então, priorizamos vídeos nas matérias”, afirma a jornalista.
Para publicar um vídeo, é importante os jornalistas notarem se o material possui qualidade e se atentarem à ética. Em alguns casos, existem recursos que podem minimizar o impacto dos vídeos fortes. “Por exemplo, em reportagens sobre crimes. Um vídeo mostra um homem chegando disparando e mata várias pessoas – ou mata uma pessoa – e ali no momento tem várias outras pessoas naquela situação, mas que não tem nada a ver com aquela história, o jornal vai borrar aquelas pessoas para preservar a imagem.”