quarta-feira, 23 de outubro de 2024
Ponto de Vista

Parados no tempo: consequências da desatualização do Decreto-lei nº 972 para o exercício do jornalismo

Imagem de Sher Singh por Pixabay.

Por Clarice Ferraz e Felipe Mateus Nunes.

No cenário contemporâneo brasileiro, o exercício da profissão de jornalista tornou-se um desafio. Constantemente jornalistas são atacados por agentes estatais, autoridades públicas, políticos ou campanhas mobilizadas por eles. Esse cenário se agravou durante o governo Bolsonaro. 

A legislação, que deveria servir como alicerce para garantir a liberdade de imprensa, a proteção dos jornalistas e a qualidade da informação vê-se, muitas vezes, desatualizada diante das rápidas transformações sociais, tecnológicas e políticas. A análise da defasagem legislativa revela-se essencial para compreender não apenas as dificuldades inerentes à prática do jornalismo moderno, mas também os riscos que a falta de atualização normativa representa para a democracia e da liberdade de expressão.

O Decreto-Lei nº 972 de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista no Brasil, completou 54 anos em 2023, foi publicado durante a Ditadura Militar (1964-1985), um período sombrio na história do país que deixou marcas profundas no exercício do jornalismo. Durante esses anos, a imprensa enfrentou desafios inéditos, sujeita a um regime de censura que buscava controlar e moldar a narrativa pública. Jornalistas foram perseguidos e veículos de comunicação foram cooptados ou reprimidos.

Não parece tanto tempo, mas a legislação é mais antiga do que o surgimento dos computadores pessoais, ou PCs, na década de 1970, quando também surgiram os primeiros telefones móveis. Já a Internet comercial foi disponibilizada apenas na década de 1990. Hoje em dia é quase impossível se pensar a prática de jornalismo sem esses recursos, tanto para quem o exerce quanto para quem o consome. A legislação que compreende o exercício do jornalismo precisa acompanhar esses saltos. 

O artigo 2º do Decreto, que compreende as atividades exercidas pelo jornalista, não inclui funções de destaque no exercício do jornalismo contemporâneo. De acordo com a pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro 2021, realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com diversas entidades, cerca de 34,9% dos jornalistas brasileiros trabalham fora da mídia, contemplando as atividades de assessoria de imprensa ou comunicação, produtoras de conteúdo para mídias digitais ou outras ações que utilizam conhecimento jornalístico. Ou seja, a legislação não engloba as atividades exercidas por cerca de um terço dos jornalistas brasileiros. A falta de reconhecimento dessas atividades influência de forma negativa o mercado de trabalho.

Diante desse cenário, a precarização do trabalho inicia-se com a ausência de um decreto para incluir todas as áreas de comunicação e inibir as ilegalidades contratuais. A precarização do trabalho está presente no déficit de remuneração. De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o salário de um jornalista no Brasil pode variar de R$1.388,77 a R$4.077,44. Mesmo com a previsão no artigo 7 do Código de Ética dos Jornalistas brasileiros, segundo o qual esse profissional não pode receber remuneração em desacordo com o piso salarial, na prática, muitos profissionais aceitam receber salário abaixo do piso, o que provoca instabilidade e descredibiliza a profissão.

Segundo a pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cerca de 36,1% afirmam que sua renda mensal é insuficiente para as necessidades básicas. Nesse sentido, na tentativa de complementar a renda, trabalham em vários locais, prejudicando sua saúde física e mental. Os dados levantados na pesquisa mostram que 66,2% dos jornalistas estão mais estressados no ambiente de trabalho, por causa do cansaço e das várias horas de trabalho.

Em virtude de todos os argumentos apresentados, observa-se que o Decreto-Lei nº 972 de 1969 está defasado, porque não aborda as novas tecnologias e nem a inserção de profissões derivadas do jornalismo que surgiram depois do documento, como a Internet, as mídias digitais.

É imprescindível a modificação da lei de acordo com as mudanças tecnológicas do século XXI, além da necessidade de criação de meios de fiscalização para impedir a ilegalidade e proteger toda classe de trabalhadores, a fim de preservar a profissão e colaborar para um serviço digno e com os direitos garantidos.

[1] *Artigo resultado de trabalho da disciplina Políticas Públicas de Comunicação, com a participação dos acadêmicos: Ana Carolina de Oliveira Barbosa Aguiar, Clarice Ferraz da Silva, Enrique Mateus Ladeira, Felipe Mateus Nunes, Lorena Moreira Santos e Vitor Vinicio da Silva Oliveira.