Por Mariana Milioni
O hábito de colecionar revela muito mais do que um simples hobby. Para muitos, a coleção vai além do mero acúmulo e reflete anseios profundos, como, por exemplo, conexão emocional e identidade. De acordo com o livro “Comportamento do Consumidor”, de Jhon Mowen e Michael Minor, publicado em 2008, existem três perspectivas que descrevem a conduta do consumidor: a perspectiva da tomada de decisão, a perspectiva da influência comportamental e a perspectiva experimental. Na tomada de decisão, os autores propõem que a compra é resultado da percepção do indivíduo de que ele tem um problema e que, por isso, precisa agir para resolvê-lo, seguindo uma série de passos racionais. Já na influência comportamental, admitem que forças ambientais influenciam e impulsionam os consumidores a realizar determinada compra. Por fim, na perspectiva experimental, a nova aquisição decorre da necessidade do consumidor de se divertir e obter emoções e sentimentos.
Com a globalização e o crescimento das redes sociais, a intensa troca de tradições, costumes e, principalmente, produtos entre países aumentou drasticamente. Um exemplo disso é a popularidade alcançada pela música coreana, ou K-pop para os mais íntimos, nos últimos anos. Consequentemente, a influência desse estilo musical também ecoou entre os colecionadores, por meio da diversidade de produtos lançados no mercado, como álbuns, photocards e itens exclusivos.
Os fãs do gênero são estimulados a buscar não apenas a música, mas a experiência completa que esses materiais proporcionam. Esse fato contribuiu para que a comunidade de “collectors” crescesse, solidificando-se entre os indivíduos e ganhando um espaço significativo no coração daqueles que desejam, de certa forma, construir um laço especial com seu ídolo.
Mas como o comportamento do consumidor, estabelecido por Mowen e Minor, se relaciona com a ascensão do K-pop e seus colecionadores? Seguindo as três perspectivas já apresentadas, a tomada de decisão pode estar atrelada às vontades do indivíduo, que sente necessidade de obter itens colecionáveis de seu grupo favorito e interpreta esse fato como um problema. Em seguida, a ação de buscar produtos, analisar preços e decidir comprá-los pode ser comparada à iniciativa de resolver o dilema, seguindo uma série de passos racionais.
A influência comportamental reside no próprio gênero musical e no grupo social em que a pessoa está inserida, pois o convívio com pessoas que compartilham os mesmos interesses e hábitos — neste caso, o de colecionar — tem uma parcela de influência e impulsiona os consumidores a adquirir novos objetos. Já a perspectiva experimental relaciona-se ao lado emocional de ser fã. A busca por proximidade com o ídolo fomenta a necessidade de se divertir e obter emoções por meio da compra de itens que remetam e/ou unam o consumidor à pessoa admirada.
Na prática, essas três perspectivas ficam evidentes nos hábitos de alguns colecionadores de itens de K-pop. A artista freelancer, Gabriela Souza, 22, conta como decidiu iniciar a própria coleção de photocards. “Eu sempre achei fascinante todo o universo do K-pop. Conheci o Twice no debut delas, em 2015, e, naquela época, eu não tinha meu próprio dinheiro, então, me privava de passar vontade. Eu sabia da existência dos álbuns físicos, mas nem olhava muito, porque na época eu só conseguia mesmo ouvir as músicas pelo YouTube.”
O show do Twice, no Brasil, em fevereiro de 2024, despertou em Gabriela o desejo de dar início à própria coleção ao conhecer diversos colecionadores na fila do evento e perceber que, em sua condição atual, os itens eram acessíveis. “Lá mesmo comprei meu primeiro photocard! É muito especial para mim. Eu tenho um misto de emoções, pois acompanho o Twice desde sempre e consegui meu primeiro photocard no dia em que as vi pela primeira vez. Depois do show, foi um caminho sem volta.”
A experiência vivenciada reflete o momento em que Gabriela, como consumidora, reconheceu a mudança em sua condição financeira e tomou a decisão de iniciar uma coleção. Ao comprar o primeiro item, ela satisfez o desejo de colecionar, que lhe rendeu satisfação pessoal e marcou o início de um novo padrão de consumo.
Já a estudante de pedagogia e vendedora Yasmin Santos, 25, compartilha sua visão sobre o sentimento de pertencimento a um grupo social por meio das práticas de colecionismo. “Eu participo de um grupo exclusivo de colecionadores, onde todos estão sempre dispostos a mostrar suas coleções (…). É ótimo poder conversar com pessoas que compartilham o mesmo sentimento de realização ao comprar pedaços de papel que podem parecer bobos, mas que nos aquecem por dentro. A conexão com pessoas semelhantes é a melhor parte.”
O discurso de Yasmin reflete a influência comportamental, evidenciando que o ambiente em que ela está inserida contribui para que o consumo de álbuns e photocards de K-pop se perpetue. O indivíduo, ao criar laços com outros colecionadores, passa a ser inundado pelo sentimento de pertencimento, sentindo-se confortável para manter os mesmos hábitos.
Gabriela Souza explica o intuito de construir e manter a coleção. “O objetivo da minha coleção pessoal é me mimar! É uma futilidade que eu me permiti depois de tanto tempo sem poder acessar isso. Depois que me tornei adulta, ter as coisinhas que tanto desejei na adolescência cura minha criança interior.”
Colecionar como amparo: o papel emocional das coleções
O aspecto emocional relacionado ao colecionismo pode ser melhor compreendido a partir da análise de especialistas sobre o tema. A psicóloga Rebeca Andrade, especialista em psicodrama e palestrante ativa em workshops sobre bem-estar e saúde mental, esclarece os aspectos psicológicos do ato de colecionar.
“Colecionar itens pode estar ligado a diversos aspectos psicológicos, como a busca de identidade e autoestima: colecionar pode ajudar a construir uma identidade pessoal, onde os itens se tornam uma extensão de quem a pessoa é; controle emocional: algumas pessoas desenvolvem coleções para lidar com sentimentos de insegurança, ansiedade ou até perda. Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), afinal, em casos mais extremos, o apego excessivo pode estar relacionado ao TOC, quando o acúmulo de objetos traz uma sensação de alívio temporário”, orienta.
Mas por que as pessoas encontram conforto em colecionar? De acordo com Rebeca, a nostalgia e a memória emocional são fatores que contribuem com o colecionismo, pois o ato pode reascender boas vivencias e trazer a percepção de estar conectado ao passado.
Outro fator é a sensação de controle. A organização e catalogação de itens oferecem conforto de estar tomando as rédeas da situação, principalmente em momentos de incerteza. A realização pessoal e o significado de propósito, por fim, também se enquadram nos elementos contribuintes, pois completar uma coleção e/ou adquirir itens raros traz o sentimento de conquista. Além disso, o colecionismo pode dar ao individuo um propósito contínuo.
Ainda assim, é importante atentar-se aos limites desse hábito, saber até que ponto colecionar é saudável e reconhecer quando o acúmulo de itens se torna prejudicial. A psicóloga destaca pontos importantes para essa análise. “Colecionar é saudável quando traz prazer e realização sem gerar sofrimento ou impacto negativo em outras áreas da vida; não compromete as finanças, nem leva à acumulação excessiva; não afeta os relacionamentos pessoais — a coleção não deve causar isolamento ou conflitos significativos com familiares e amigos; e não ocupa tempo excessivo, a ponto de prejudicar outras atividades ou responsabilidades.”
Mídias Sociais × colecionadores: conectividade e comunidade
A quantidade de usuários ativos em redes sociais cresceu significativamente nos últimos anos e refletiu no comportamento do público. De acordo com dados do site Globalad, em janeiro de 2024, cerca de 144 milhões de brasileiros possuíam contas ativas em redes sociais, representando 66,3% da população total do país, número que aumentou em 2 milhões ao se comparar com o início do ano anterior.
A forte presença da internet no cotidiano afeta e influencia a vida das pessoas com acesso às mídias digitais; naturalmente, a comunidade de colecionadores não está isenta disso. Atrelado a esse fato, é notável a ascensão de conteúdos relacionados a coleções nas redes sociais. É fácil encontrar em aplicativos, como TikTok e Instagram, diversos vídeos de produtos de K-pop, como unboxings (ato de abrir uma caixa ou embalagem, geralmente acompanhado de um comentário ou análise acerca do item retirado), vídeos mostrando detalhadamente a própria coleção, tutoriais de como preservar photocards, entre outros assuntos relacionados à comunidade de colecionadores de grupos asiáticos. Esses vídeos têm o poder de induzir os consumidores a adotarem determinados padrões de consumo, baseados na influência do conteúdo sobre seus desejos. O site DigitalJoy mediu o impacto dos vídeos nos comportamentos dos consumidores, revelando que, em 2023, 85% das pessoas entrevistadas afirmaram ser mais propensas a comprar um item após assistirem a um vídeo explicativo.
Ellen Giovanna, 20, atualmente trabalha como RH em uma empresa e grava conteúdos sobre colecionismo para as redes sociais desde 2022. Para ela, estar inserida no grupo de collectors desperta um sentimento positivo de inclusão em um grupo social. “Sinto-me pertencente a uma comunidade, especialmente por criar conteúdo sobre coleções. Isso influencia bastante minha visão de estar inserida em um grupo social, onde as pessoas têm interesses semelhantes e compartilham das mesmas vontades. Faz parte da minha vida e é minha válvula de escape da realidade muitas vezes. Minha rotina é muito estressante e ter essas pessoas ao meu redor torna tudo mais leve.”
Com aproximadamente 27 mil seguidores no TikTok e 1.500 no Instagram, Ellen fala sobre a influência de seus vídeos sobre os seguidores que desejam começar a colecionar itens de K-pop: “Mesmo que minha conta não seja grande, ela impacta um pequeno número de pessoas que consomem esse tipo de conteúdo todos os dias. Eu sempre gosto de falar sobre a necessidade de ter responsabilidade com o dinheiro, e que, se for menor de idade, é importante ter a autorização dos pais para criar uma conta e começar a colecionar.”
A influenciadora defende que colecionar é um hábito sério, pois exige gastos sem retorno concreto. “Minha maior influência, na época em que comecei a colecionar, veio dos vídeos de unboxing e coleção no TikTok e no YouTube, então, acredito que exista essa influência, mesmo que pequena, até porque já me disseram várias vezes que começaram a colecionar por conta do meu conteúdo.”
Fora da bolha do K-pop, a influenciadora digital e atriz Larissa Milian, que acumula cerca de 11 mil seguidores nas redes sociais, também produz conteúdos sobre as próprias coleções. Entre os itens postados estão borrachas, crocs, funko pop, entre outros. Isso demonstra que colecionar não precisa estar restrito a um gênero musical, filmes ou itens de alto valor.
“Comecei aos 7 anos de idade, com minha primeira coleção de adesivos. Quem comprava muitos para mim na época era minha avó materna. Saíamos juntas todo fim de semana para procurar diferentes adesivos e isso acabou se tornando nosso passeio semanal. Eu comecei a colecionar adesivos porque via que minhas amigas da escola também faziam isso e trocavam entre elas. Foi assim que começou minha paixão”, lembra.
Em virtude da produção de conteúdo, Larissa afirma que sente que seus vídeos têm poder de incentivar o público a colecionar. “Espero que as pessoas comecem a colecionar cada vez mais.”
Diversidade
Uma coleção pode ser feita de qualquer objeto, seja ele de alto custo ou barato, raro ou comum, com ou sem valor emocional. O critério para determinar uma coleção está ligado apenas ao acúmulo e não ao item. Uma simples tampa de garrafa pode se transformar em uma imensa coleção se for guardada pelo indivíduo que teve a iniciativa de colecionar.
Longe das coleções voltadas a um gênero musical ou a artistas, também existem coleções formadas por aspectos nostálgicos ou aquelas passadas de geração para geração entre os integrantes de uma família. O universitário Yuri Silva, 20, coleciona itens de pescaria e descreve quando esse hábito passou a fazer parte de sua vida.
“É algo muito difícil de dizer, mas creio que desde que eu nasci ou até bem antes disso. A minha coleção é passada de geração para geração, pois possui itens que foram do meu avô e do meu pai. Comecei a colecionar porque gosto dessa atividade. Desde pequeno, eu já pescava com meus pais e, com o tempo, fui pegando amor por isso”, lembra o universitário.
O sentimento despertado pela coleção é descrito por Yuri como algo que ultrapassa o material. “Quando estão todos reunidos, o objetivo em comum é pegar o peixe, mas não se trata apenas disso; o mais importante é o retorno que esse hábito traz. É sobre sair com amigos e familiares, gerando conversas, diversão e um tempo de qualidade. Creio que meu desejo de colecionar está mais amarrado ao sentimento que a pescaria me proporciona.”