Por João Victor Galvão, Luanna Mendes e Rebeca Oliveira.
A exposição exagerada da privacidade de figuras públicas é um problema desde o nascimento da cultura de celebridades, no século 18. Virou rotineiro, de forma natural ao ser humano, se entreter a partir dos acontecimentos do dia a dia de pessoas famosas. Hoje, no século 21, com o avanço desenfreado das redes sociais, a necessidade de se ter atualizações da celebridade preferida, em tempo real, também aumentou. O público desaprendeu ou nunca soube separar a vida pessoal da personalidade artística. Isso não vale apenas para fãs, mas também para a grande mídia, que aproveita para lucrar com a exposição.
O costume de consumir e comercializar tudo sobre a vida pessoal dos famosos tem acarretado diversas consequências na vida dessas figuras públicas. Elas não podem frequentar qualquer lugar sem que haja, no mínimo, trinta pessoas ao seu redor pedindo fotos e autógrafos, como se elas fossem animais em zoológicos. O que de início parece gratificante e uma forma genuína de reconhecimento, pode se tornar, em segundos, um gatilho para o desenvolvimento de ansiedade, ataques de pânico, fobia social e outros problemas psíquicos.
É normal que o indivíduo procure validação no próximo porque vive em sociedade e, como ser humano, necessita de socialização. Porém, de acordo com o psiquiatra Marcelo Trindade, o problema começa quando ele presume que o seu sucesso só pode ser alcançado através dessa validação. E, no meio dessa busca incessante, o público e a mídia podem acabar achando que têm poder absoluto sobre a vida de famosos que tanto se expõem.
“O problema começa a aparecer quando associamos o sucesso à necessidade de expormos nossa imagem, quando ligamos que ser bem-sucedido atualmente é sermos expostos. A superexposição extrapola o ser social convencional, nos empurrando para fora de uma zona de conforto. A partir do momento em que, além de sermos sociais, somos uma “marca”, ou seja, um produto exposto, inicia o processo que divide as pessoas que estão e que não estão preparadas para tal”, avalia o médico.
A sombra das vozes
“Até mais ou menos meados dos anos 1990, nós éramos os ilustres desconhecidos, os astros que despontavam para o anonimato” diz Mauro Ramos, dublador de Pumba (Rei Leão), Shrek (Shrek), Sulley (Monstros S.A.), dentre outros personagens conhecidos, em entrevista para a Agência Impressões. O fenômeno da dublagem não era tão comum anos atrás. Os dubladores, mesmo os de protagonistas, não eram facilmente reconhecidos. Na verdade, eles eram confundidos com atores de novelas, por causa da sonoridade da voz que vinha da televisão.
“Naquela época, o pessoal ouvia a voz, e, como vinha da televisão, achava que a gente era tudo de novela e sempre perguntava “Qual foi a novela que você fez?”, e eu ficava mais ou menos escondido sob a sombra das sombras porque, poeticamente, o que a gente faz é ser a sombra das sombras, só que no meio vocal, ao contrário do cinema, que nada mais é do que a sombra das sombras no meio visual”, diz o dublador.
Com a ascensão da tecnologia e da valorização dos animes e mangás, Mauro e seus colegas começaram a ser reconhecidos, não apenas pelo trabalho vocal, mas como figuras públicas. “Hoje, é um outro mundo”, avalia ele, refletindo sobre como essa nova realidade traz tanto oportunidades quanto desafios. O dublador menciona a pressão do reconhecimento e como isso pode impactar a maneira como ele se comporta. “Você pensa duas vezes antes de fazer alguma besteira porque sempre tem alguém filmando ou gravando a sua voz”, comenta.
Ramos também menciona o cuidado que tem com fãs sempre que é reconhecido, algo que acontece principalmente ao usar o aplicativo Uber, provavelmente pelo fato de os motoristas estarem atentos à voz dos passageiros. “Eles reconhecem com facilidade. Em todo lugar, hoje em dia, o pessoal diz “O senhor é dublador!”. Quando não sabem meu nome, no mínimo sabem que sou dublador”, acrescenta Mauro.
Entre vozes e risos
Francisco Anysio, ou Nizo Neto, por sua vez, herdeiro do legado humorístico de seu pai, Chico Anysio, lida com a fama de uma perspectiva diferente. Desde jovem, ele vive sob holofotes, sendo identificado como “o filho do Chico Anysio”. Para Nizo, a fama é um fator que, em geral, traz mais vantagens do que desvantagens. Ele destaca que, embora em algumas situações a notoriedade possa dificultar contratações – especialmente quando os clientes buscam rostos novos –, essa visibilidade também lhe abriu muitas portas. “A fama atrapalha um pouco em testes de publicidade, mas, de modo geral, é muito mais vantajosa”, explica.
Ser conhecido desde cedo implica em um escrutínio constante. Nizo admite que ser “o filho do Chico Anysio” traz um peso, mas ele aprendeu a transformar isso em orgulho. A morte do pai não diminuiu seu legado, pelo contrário, Nizo se tornou uma figura pública que, apesar de enfrentar expectativas, sempre encontrou maneiras de equilibrar sua vida privada com a pública, sendo humorista, ator e dublador.
Ele ressalta também que, com o advento das redes sociais, as críticas e ofensas se tornaram mais comuns. “Em tempos de internet, as pessoas têm voz e isso estimulou muito o ‘mimimi'”, afirma, ao explicar que ele tenta absorver as críticas construtivas e ignora as ofensas, mostrando maturidade e sabedoria para lidar com a exposição da vida pública.
Tanto Mauro Ramos quanto Nizo Neto enfrentam o desafio do assédio e das expectativas do público. Mauro menciona o carinho que tem ao receber os fãs e que, embora esse momento de interação seja saudável, traz alguns desafios, como enfrentar pessoas que só querem um trecho de uma imitação e tratam o artista como um objeto de posse delas. “É um assédio”, diz ele sobre as solicitações gratuitas de seu serviço. Ao contrário do que muitos acham, “imitar um personagem” não é simples, dar voz a esse personagem é o trabalho desses artistas, não uma brincadeira.
Quando é solicitado para tais ações, Mauro indica o site “Nossas Vozes“, onde os fãs podem fazer as solicitações pagando pelo custo e, segundo ele, há muitas pessoas às quais ele recomenda o site que retornam depois. “E quando há esse retorno, a gente grava, porque a pessoa colaborou. Agora quando o cara responde a indicação com um “Ah, ok, obrigado” é porque ele estava tentando conseguir de graça, por achar que é só uma frase, só um objeto”, diz Mauro.
Para essas situações, Mauro recomenda paciência e observação, ressaltando a importância de entender a dinâmica humana e o respeito pelo público. Nizo, por sua vez, alerta para a efemeridade da fama e a necessidade de manter a cabeça no lugar.
Relação entre fama e família
Em uma reflexão profunda sobre sua vida e carreira, Zezé Di Camargo compartilha com a Agência Impressões como a música não é apenas sua profissão, mas uma verdadeira missão. Para ele, a união entre vida pessoal e profissional é fluida, uma vez que ama o que faz. “A gente nem para pra pensar nisso (nos problemas da exposição)”, diz, ressaltando que a rotina é moldada pelo prazer de trabalhar.
O cantor reconhece que a vida na estrada pode ser desgastante. As longas viagens de carro, muitas vezes sem um aeroporto por perto, trazem desafios. “É cansativo”, admite, especialmente quando se trata de lidar com a falta de descanso e a bagunça no fuso horário. O artista enfrenta a dificuldade de conciliar os horários, quando a hora de dormir muitas vezes não coincide com a necessidade de descanso.
Isso se torna um desafio ainda maior para quem tem filhos, pois a presença na vida familiar, apesar de essencial, nem sempre é possível. “Acompanhar e buscar os filhos na escola, nas festinhas, também é complicado. Principalmente com os meus primeiros filhos, eu sofri muito com isso”, acrescenta Zezé.
Apesar das dificuldades, o cantor enfatiza a importância da gratidão. Para ele, a música é um dom e uma forma de levar alegria ao coração das pessoas. “A energia que trocamos no palco, com 40 mil pessoas à nossa frente, compensa todo o sofrimento e as horas de sono perdidas. Essa conexão com o público é o que faz tudo valer a pena”, finaliza o cantor.
De onde vem a paixão por ser fã?
Desde pequenos nos interessamos por alguma coisa, seja jogos, filmes, desenhos, dança, música etc. Sempre buscamos algo para nos entreter e nos fazer fugir da realidade, quando necessário. Na cultura sul-coreana, existe a tradição doljanchi, quando, no primeiro aniversário de uma criança, são colocados objetos à sua frente, para que ela escolha um deles, e, acredita-se que o objeto escolhido definirá o resto de sua vida a partir daquele momento. A tradição implica que nascemos destinados a gostar de algo e que isso influenciará em nosso modo de nos vestir, comer, pensar e viver.
A jornalista de cultura pop, Angélica Belo, conta a sua relação com a paixão por ser fã e como isso influenciou diretamente em suas escolhas de vida. “Eu sempre fui fangirl, sempre tive essa característica de ser fã de alguém. Eu sempre gostei muito, tudo na escola era relacionado a isso. Na época, a gente tinha o Twitcam, e eu nunca perdia uma live dos artistas que eu gostava. Meio que surgiu daí meu interesse em trabalhar com isso.”
Fã ou hater
O fator “gostar muito de um determinado artista” tem um grande peso na vida dos fãs e muitas vezes eles não conseguem estabelecer um limite de como se deve ou não agir mediante ao ídolo. Sem esse limite estabelecido, a linha invisível que separa o fã do anti-fã é cortada e as suas ações se tornam previsivelmente desagradáveis.
Em recente entrevista, a cantora norte-americana Ariana Grande foi questionada sobre amar ou não seus fãs – pergunta de grande interesse, dado os últimos acontecimentos entre a artista e seus fãs por conta de seu relacionamento atual. “Eu os amo sempre, mas acho que às vezes eles podem ferir meus sentimentos, e, por isso, às vezes eu não gosto deles, mas eu os amo sempre. É um relacionamento difícil, é meio estranhamente parassocial, ao mesmo tempo que parece muito real para mim”, disse a cantora.
Esse pequeno depoimento nos dá abertura para questionarmos até que ponto uma pessoa que se diz fã de algum artista é realmente um fã, ou, hater.
A expressão “Fã ou hater?” se tornou popular no Brasil no ano de 2021, após um usuário da rede social X (Antigo Twitter), que se intitulava fã da cantora Anitta, responder a um post dela de forma negativa. O fã então recebeu essa resposta da artista, fazendo com que a frase ficasse marcada na cultura pop brasileira. A partir disso, podemos notar que todos os fãs estão sujeitos a se tornarem haters, mesmo que seja por um breve momento e sem intenções.
A jornalista Angélica explica qual deve ser a linha tênue no relacionamento entre fã e artista: “Eu vejo muito os dois lados; o meu lado como fã, de querer estar próxima do artista, e o lado do artista, como ser humano. O limite deveria partir de nós, fãs, porque a gente precisa entender que o artista está ali trabalhando, que ele é uma pessoa normal, uma pessoa que faz as mesmas coisas que a gente e que pode ter relacionamentos etc. Assim como a gente, ele pode acordar um dia e estar irritado. A gente precisa entender essas coisas.”
Angélica reforça o seu amor pelas vivências de fangirl mas ressalta também a importância de compreender seus limites. “Eu amo ser fã, é algo que me ajuda a sair um pouco da realidade, entre muitas outras coisas. Mas também precisamos entender o limite entre gostar daquilo e viver por aquilo. Tem um artista que eu gosto muito, o Jackson Wang. Uma vez, ao ouvir de uma fã que “a felicidade da vida dela era ele”, ele respondeu que não poderia ser a única felicidade da vida dela, que a gente podia usá-lo como inspiração, conforto, mas não como a única motivação de viver e eu concordei demais com ele, acredito muito nisso”, diz a jornalista.
O papel da mídia
Não podemos falar em exposição e não citar a grande mídia, uma peça importante nesse contexto. Casos como o da Princesa Diana mostram o impacto direto da mídia na vida de figuras públicas. A Princesa sempre foi muito reservada e prezava por sua liberdade, mas constantemente tinha sua privacidade violada e sofria nas mãos dos paparazzis, que não a respeitavam.
Mesmo não sendo mais da realeza britânica e tentando viver sua vida no anonimato, ela ainda foi negligenciada. O resultado disso todos nós conhecemos: Lady Di perdeu sua vida, em 1997, ao tentar fugir de paparazzis que a estavam fotografando sem o seu consentimento.
Mencionando um episódio mais recente, podemos falar de Britney Spears, que teve sua vida transformada em caos por conta da grande exposição da mídia. Seu caso foi revivido em 2021, após sua tutela, que estava sob guarda de seu pai, entrar em julgamento novamente e ela ganhar o direito de gerir sua vida e carreira de uma vez por todas.
A princesa do pop, como é popularmente conhecida, iniciou sua carreira muito jovem e alcançou um sucesso gigantesco nos anos 2000. Logo, os paparazzis e a mídia se interessaram por sua vida pública e privada. Britney teve a juventude marcada por diversas polêmicas, dentre elas, a mais chocante em 2007, quando foi cercada por diversos fotógrafos, aos 26 anos, em um posto de gasolina e, para preservar sua imagem (na época, ela estava careca e aparentemente acima do peso), agrediu os profissionais com um guarda-chuva.
Após o ocorrido, no mesmo ano, a cantora se ausentou dos palcos e da fama, com alegações de que ela era incapaz de lidar com o estrelato e por problemas de saúde mental graves. Em seu livro “A mulher em mim”, onde ela conta sua história, a artista relata todos os traumas que teve por conta da exposição que sofreu e como ela foi usada pela indústria da música. Em um dos trechos do livro, ela se diz “uma sobrevivente do mundo da fama” e que “admira quem sobrevive e faz a fama funcionar”.
A indústria da fama exige muito dos artistas, e, frequentemente vemos, assim como Britney, outros grandes nomes do pop se ausentando de suas profissões para cuidar da mente, como Selena Gomez, Justin Bieber, Demi Lovato, Shawn Mendes. Com o aumento e a pluralidade das redes, podemos perceber um crescimento dos índices de problemas mentais, principalmente entre os jovens artistas.
Tudo isso é reflexo de uma sociedade sem limites, de uma indústria que se preocupa apenas com dinheiro. Até os próprios fãs acabam se esquecendo de que, no fim do dia, aquele artista mundialmente famoso é apenas um ser humano, com sentimentos e problemas reais, como qualquer outro.