quarta-feira, 11 de junho de 2025
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Mulheres no Agro: Avanços e Desafios

Uma análise sobre a inserção das mulheres formadas em Ciências Agrárias no mercado de trabalho goiano e os obstáculos enfrentados em um setor historicamente masculino

Imagem: Pixabay

Por: Clarice Ferraz, Mateus Gonçalves, Nathane Vitória e Nathany Furtado Supervisão: Prof. Antônio Carlos Borges

A desigualdade de gênero atinge as mulheres no mercado de trabalho de diversas áreas de conhecimento, segundo dados da ONU Mulheres no Brasil, apenas 63% das mulheres entre 25 e 54 anos estão empregadas, contra 91% dos homens, além disso, em países de baixa renda, 91% das mulheres trabalham na informalidade, sem acesso a proteção social e direitos trabalhistas e realizam em média 2,5 vezes mais trabalhos não remunerados do que os homens.

Essa constatação foi a motivação para a realização do estudo “O agro é masculino: discriminação profissional de mulheres no agronegócio” que estuda a inserção profissional dos egressos das Ciências Agrárias formados em instituições de ensino do estado de Goiás, buscando identificar se nesse processo há desigualdade de gênero.

O estudo realizou um levantamento que resultou em 593 questionários respondidos por egressos desses cursos e os resultados indicam: mulheres são maioria entre os desempregados, enfrentam maior dificuldade para encontrar trabalho na área de formação, a ascensão profissional feminina não tem ocorrido na mesma proporção comparada à masculina e mulheres recebem salários inferiores exercendo as mesmas funções.

Desafios das Mulheres no Agro

O setor agropecuário, historicamente dominado por homens, vem passando por uma transformação significativa nos últimos anos. No entanto, como relata a engenheira agrônoma Ana Cláudia Santos de Souza, a jornada ainda é marcada por desafios e barreiras impostas por uma cultura que, em muitos casos, insiste em subestimar a capacidade feminina.

“Sempre existe uma divisão. Hoje, a gente vê que isso diminuiu um pouco, mas ainda há muitas propriedades onde as pessoas olham para uma mulher no agro e pensam: ‘Ela não vai conseguir fazer esse trabalho, porque é algo pesado e exige força física’. Há muito preconceito em relação ao serviço braçal feito por mulheres.”

A engenheira agrônoma recém formada, Laís Elias de Souza,  conta que teve dificuldade para conseguir emprego na sua área de atuação e cita que empresas têm receio em contratar profissionais que concluíram o curso recentemente. “Como somos recém-formados, as pessoas não dão muita credibilidade, pois acreditam que esses profissionais não conseguem resolver os problemas que na maioria das vezes precisam de respostas imediatas”, aponta Laís.

No seu trabalho diário as funções são divididas igualmente entre ambos os gêneros, porém ressalta que ainda existem diferenças entre homens e mulheres no mercado empregatício.  Laís evidencia alguns desafios enfrentados diariamente na área de agronomia: “a falta de reconhecimento no trabalho, a falta de credibilidade principalmente quando somos engenheiras agrônomas recém-formadas, a discriminação do produtor rural em relação a credibilidade de informações e também muitas vezes o assédio pode existir”, destaca a engenheira.

Ainda segundo o estudo, referente a participação de gênero na área da agronomia, 63% dos homens atuam profissionalmente na área de formação ligada ao agronegócio, enquanto apenas 40% das mulheres atuam em sua área de formação. No entanto, as mulheres são maioria entre os indivíduos que não atuam na área de formação (17%), entre os desempregados (12%) e aqueles que estão fora do mercado de trabalho (7%).

Dados do estudo “O agro é masculino: discriminação profissional de mulheres no agronegócio”

Eiko Mori, engenheira agrônoma e professora universitária reconhece que existem muitos desafios na carreira das mulheres, por exemplo, para aquelas que querem viver a maternidade. “A gente precisa se dividir entre trabalhar e cuidar de filhos”, afirma. Para ela, essas limitações do tempo de conciliação profissional com a  maternidade afasta as mulheres de cargos de gestão.“Eu fui pró-reitora de pesquisa por seis anos. Só fui fazer meu doutorado depois que meus filhos já estavam grandes.” Para ela, é preciso ter um olhar mais acolhedor das instituições.

A discriminação de gênero no âmbito profissional é percebida por Laís de forma camuflada no tratamento de colegas de profissão na rotina de trabalho: “Algumas situações que já presenciei foram pela questão de produtores rurais mais velhos não fazerem questão de cumprimentar as pessoas que estão na sala, como por exemplo se tiver um homem ele cumprimenta e se tiver uma mulher ele ignora totalmente essa pessoa, como se não estivesse ali”, afirma Laís.

Ana Cláudia, que já passou por situações de discriminação ao longo de sua carreira, conta que, em algumas ocasiões, viu oportunidades de emprego lhe escaparem simplesmente pelo fato de ser mulher. Em um caso específico, ela foi chamada para um cargo na área, mas não foi contratada porque a esposa do gerente da fazenda não aceitava a presença de uma mulher na equipe. “A maioria dessa discriminação no trabalho vem das próprias mulheres. Muitas esposas de proprietários de fazendas não aceitam mulheres em funções do agro, acham que devem trabalhar apenas em escritórios. Isso acontece muito, infelizmente.”

A Conquista do Espaço Feminino no Agro

No entanto, Laís evidencia que as mulheres atualmente estão cada vez mais em áreas tradicionalmente denominadas como masculinas, pois o gênero não define a capacidade para realizar uma determinada função. “As pessoas podem ver que todo serviço designado para um homem, uma mulher também consegue fazer com a mesma eficiência”, ressalta a profissional.

Ana Cláudia, engenheira agrônoma, reforça que, apesar da evolução, ainda há desigualdades. O famoso “QI” (quem indica) é um fator que dificulta a inserção de mulheres no mercado de trabalho, assim como a persistente diferença salarial em algumas empresas. Todavia, em sua experiência, ela afirma que vê cada vez mais empresas nivelando os vencimentos entre homens e mulheres, garantindo condições equitativas de trabalho. “O setor está evoluindo. Há treinamentos, cursos e oportunidades que não existiam há alguns anos. Se essa tendência continuar, o espaço da mulher no agronegócio só vai crescer.”

Ana Cláudia destaca as mudanças no cenário como iniciativas voltadas exclusivamente para capacitar mulheres no setor agropecuário, cursos para operação de maquinário agrícola e grupos de apoio que incentivam a participação feminina. Segundo ela, aproximadamente 80% das mulheres já estão assumindo funções de liderança no agro, e muitas empresas têm priorizado a contratação de mulheres para reforçar essa mudança.

Laís confirma essa realidade e aponta que a participação das mulheres no agronegócio está mudando com mais vagas de emprego e sucessão familiar, evidenciando a capacidade e potencial do gênero feminino em ocupar espaços estigmatizados como área de atuação masculina. “Nas faculdades e empresas vemos todos os dias várias vagas para engenheiras. Com certeza é bem perceptível a mudança nos últimos anos na participação das mulheres, principalmente em relação à sucessão familiar que está cada vez maior, e acontecendo pelas mulheres e filhas de produtores rurais”, afirma.

Eiko Mori, destaca que, da época em que era aluna para hoje que é professora, percebeu uma transformação importante: o aumento da presença feminina no curso de Agronomia. Na época em que ingressou na UFG (Universidade Federal de Goiás), em 1991, o cenário era outro. “Na minha turma nós éramos poucas mulheres”, conta. A realidade, porém, mudou com o tempo e hoje como docente, ela observa uma presença muito maior de alunas no curso. “Tem disciplina que eu dou aula que é metade mulher, metade homem. Então mudou bastante.”

Disparidade Salarial e Oportunidades

O artigocontextualiza outra realidade, trazendo pesquisas contundentes que demonstram essa perspectiva, como o estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2022, mostrando que as mulheres recebiam 17% menos que os homens no Brasil. Esse resultado, trazido pelo instituto, ressalta a disparidade salarial entre trabalhadores e trabalhadoras. Além disso, o artigo mostra que cerca de 47% das mulheres têm renda de até 2 salários mínimos, enquanto 39% dos homens têm renda de 4 a 10 salários mínimos.

Dados do estudo “O agro é masculino: discriminação profissional de mulheres no agronegócio”

Mesmo que o estudo do artigo evidencie a disparidade salarial entre homens e mulheres. Na prática, segundo Laís, não existe, pois o conselho da Confederação dos Agronegócios do Estado de Goiás (CREA-GO) estabelece o salário por horas trabalhadas tanto para homens quanto para mulheres. “Se caso exista essa desigualdade é uma oportunidade para podermos ficar atentos e denunciar essas empresas para o conselho. Minha experiência nessa área é satisfatória, afinal somos protegidos por leis que podem garantir nossos direitos”, afirma.

Segundo a engenheira agrônoma, mulheres estão ocupando cargos de poder e estudantes têm possibilidade de contratação “Sinto que há espaço sim para evolução profissional, afinal os maiores exemplos que podemos ver hoje são a presença de mulheres em grandes empresas que podem começar como estagiárias e futuramente podem crescer e evoluir dentro da empresa, chegando ao cargo de gerência, por exemplo”, evidencia Laís.

Diante dessa realidade, Ana Cláudia acredita que o caminho para uma maior inclusão feminina no agro está em expansão e que, passo a passo, as mulheres estão conquistando seu espaço e mudando a forma como o setor as enxerga. Ela destaca que o futuro do agro terá cada vez mais protagonismo feminino e que a luta pela igualdade deve continuar para garantir que essa evolução seja permanente.  “O espaço para as mulheres tem aumentado muito. Empresas fazem questão de contratar mulheres, porque enxergam nelas um olhar diferenciado e uma visão estratégica única sobre o trabalho no campo.” 

Para as mulheres que desejam seguir carreira na agronomia ou no agronegócio, Eiko  diz: “Vão. Pode ir, que a gente já trilhou tanto para vocês. A porta já tá aberta. Se proponham a fazer o melhor de vocês. Mas uma coisa importante: cuide da sua saúde mental. Vá até onde você consegue e preserve isso.”