Por Emanuelle Mattos, Gabriela Rezende e Kézia Pimentel.
A maternidade, celebrada como o ápice do amor incondicional, muitas vezes é um território de descobertas, desafios e sentimentos inesperados. Há quem diga que o amor materno nasce no instante em que o bebê é concebido, mas, para muitas mulheres, essa conexão é um processo, um fio delicado que se entrelaça aos poucos. Entre as expectativas da sociedade e a realidade do coração, cada mãe carrega sua própria história, repleta de dúvidas, lágrimas e momentos de descobertas. É nesse espaço, onde o amor floresce lentamente, que encontramos as vozes de mulheres que desafiam tabus e unem suas experiências reais e emocionantes sobre o que significa ser mãe.
Dores e delícias
Iracy Pimentel é goiana, proprietária de um restaurante – lugar onde exerce variadas funções: cozinheira, atendente, garçonete, chefe, chapeira…tudo depende de “como a banda tocar”, como ela mesmo diz, aos risos. Além disso, é esposa, filha e mãe. Dentre todas as atividades, seu papel preferido é ser mãe. Iracy tem dois filhos, um menino de 27 anos e uma menina de 20, e, na visão da mamãe coruja, são “crianças” de personalidades bem diferentes. “Marcus Vinicius é mais na dele, meio ranzinzinha, mas nunca me deu trabalho em questão de obediência e ficar quietinho no momento certo. Já a Kézia, sempre foi feliz, tranquila, mas mexia em tudo! Colocava o Marcus para correr atrás dela sempre nos lugares, porque eu não conseguia acompanhar.”
A discrepância das idades de seus filhos parece não fazer diferença agora, mas existe muita história por trás dessa espera, são razões que fizeram Iracy ter a coragem de ser mãe novamente apenas sete anos depois. Ela relata que teve depressão pós-parto na primeira gravidez. Ver seus sonhos, sua rotina e seu corpo em segundo plano para dar vida à outra pessoa foi um baque pesado demais para segurar. E, para além disso, tinha que conviver com a culpa de sair para trabalhar e deixar seu filho com alguém.
“Eu via outras mães lá no trabalho lamentando por não conseguirem amamentar seus filhos porque o leite não descia, e aí eu olhava pro meu peito, tava pingando de tão cheio, aquilo me dava uma tristeza tão grande, de pensar ‘estou aqui trabalhando e meu filho em casa passando fome, precisando de mim’, e então ia pro banheiro chorar”, conta, emocionada.
Após se recuperar dos traumas da maternidade, abandonar as dores e experimentar as delícias de ser mamãe, Iracy começou a dar ouvidos ao que seu filho primogênito pedia: “uma irmãzinha branquinha igual a Júlia” – Júlia é prima e, quando criança, parceira de aventuras de Marcus. A comerciante diz, ainda, que o nascimento de sua filha foi, também, fruto de muitas orações de seu marido, que sempre quis mais um bebê. Para a família, a fé é o elemento essencial para os sonhos se tornarem realidade, e então, depois de muitos pedidos, a Kézia chegou.
Quem vê as apresentações de Dia das Mães regadas por choro ao som de “Fico Assim Sem Você” pode não enxergar a mulher que existe atrás daquela que recebe a homenagem. Em relação às mudanças provocadas pela maternidade, Iracy revela que a pior delas foi ter que mudar sua vida por completo e a sensação constante de que não dá mais tempo para fazer mais nada por si, pois existe um ser que depende de você.
“Muitas coisas em questão de voltar aos estudos, fazer uma faculdade, eu abandonei, porque nunca quis deixar as crianças, meus filhos, com ninguém. […] Porque eu me sentia culpada de estar saindo e deixando as minhas crianças. Eu me privei muito, hoje eu posso fazer, já que eles são adultos, mas às vezes eu ainda me sinto culpada, que eu devo sair só com eles. Não é peso mais, mas é uma coisa que eu carreguei”, afirma.
O relato de Iracy é único e ao mesmo tempo coletivo quando observamos dados relacionados à depressão pós-parto. Segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ela atinge 25% das mães no Brasil. Nesse contexto, a psicóloga e mãe, Cintya Resende, explica que o sentimento de desamparo no pós-parto é comum, pois, durante a gravidez, as mamães são endeusadas, tratadas como rainhas, todos querem agradar, a todos interessam o que está fazendo e como está fazendo. Mas, depois que o neném nasce, o cenário muda. “De repente, o bebê nasce e acabou o olhar para aquela mãe, é aí que te bate a solidão”, conclui.
A psicóloga diz que sentiu um desamparo enorme após o nascimento da filha. Sentiu falta de alguém perguntando onde, como, com quem e o porquê dela estar agindo de tal maneira, um ombro amigo para que a filha pudesse descansar e dar descanso à ela, uma preocupação genuína com ela. Diante disso, ela revela que teve que dosar prioridades depois da existência da Maya.
“[…] Eu precisei redefinir o que que é diversão, o que é necessidade pra mim. Hoje, a minha felicidade não tá mais em sentar num bar, tomar uma cerveja, mas sim conseguir comer com as duas mãos sem precisar segurar minha filha”. Nesses momentos, não há teoria, conhecimento de caso ou estudo que ampare a dor sentida pela mãe ao deixar de ser casa para o filho.
A conexão amorosa entre mãe e bebê durante a gestação é um tema envolvido em expectativas e tabus. Para muitas mulheres, a ideia de amar incondicionalmente um bebê que ainda não conhece pode parecer natural, mas a realidade é mais complexa. A atriz Ísis Valverde sofreu críticas ao confessar que só começou a amar seu filho no oitavo mês de vida dele. Sua fala ressoou com o sentimento de outras mães que se sentiram pressionadas a demonstrar um amor imediato e inquestionável, mesmo antes de construírem qualquer vínculo com o neném.
Com lágrimas nos olhos, voz embargada e uma dor quase transbordante Cintya falou sobre sua experiência com a filha. Ela, assim como Iracy, carregou culpa antes mesmo de dar à luz. Emocionada, relata que não conseguia sentir o amor que as outras pessoas diziam sentir ao descobrirem que seriam mães. No primeiro momento, tudo o que conseguia sentir era cólica, gases…e, semelhantemente à Iracy, ainda estava experimentando as dores da maternidade.
Apesar de saber que o vínculo é construído, a psicóloga não deixou de ficar triste ao pensar na possibilidade de não amar sua filha, porém, depois das dores, as delícias chegam. “[…] Foi com o nosso toque, quando ela foi desenvolvendo um contato visual comigo, aquele vínculo veio, o amor por amamentar. Quando amamentava, e ela olhava pra mim, o amor só crescia, e hoje é o maior amor do mundo”, relata, em tom de alívio.
Medos, transformações e o poder do amor materno
Letícia Campos tinha apenas 18 anos quando descobriu que estava grávida. A notícia caiu como uma tempestade em sua vida. “Eu senti medo. O meu mundo parecia ter desmoronado, como se tudo que eu conhecia tivesse acabado ali,” lembra, com a voz embargada, como se revivesse aquele momento. Mas, mesmo em meio ao turbilhão, ela encontrou um porto seguro: o apoio inabalável de seus pais. Foi esse alicerce que a ajudou a enfrentar a gestação, trazendo um pouco de luz ao que parecia um túnel escuro e interminável.
A maternidade, para Letícia, foi uma ruptura profunda com sua antiga identidade. “A mulher que eu era antes da minha filha não existe mais. Meu corpo, minha mente e meu coração são outros,” reflete. Apesar do medo e das incertezas, o nascimento de Maya foi uma virada completa. “Quando ela nasceu, o medo simplesmente sumiu. Eu conheci o que é amor verdadeiro. Hoje, vivo por ela,” diz, com um brilho nos olhos que não deixa dúvidas do impacto transformador desse sentimento.
Mas, a jornada de Letícia não foi isenta de provações. Maya nasceu prematura e passou os primeiros 25 dias de vida na UTI. “Aquele foi o pior momento da minha vida. Eu entendia, pela primeira vez, o que realmente significa ser mãe. Ali, eu me tornei outra pessoa. Nunca mais serei ninguém sem ela,” confidencia, deixando escapar um suspiro carregado de emoções.
Renúncias e pequenas grandes conquistas
Aline Rezende tinha 23 anos quando se viu diante da mesma transformação. Para ela, a maternidade foi um misto de felicidade, desafios e mudanças profundas. “De repente, tudo muda. Sua rotina, seu tempo, até o sono. Mas não é que a maternidade nos impeça de fazer as coisas. Ela simplesmente muda nossas prioridades. Agora, outra vida depende de você,” explica, com serenidade.
Entre os momentos de maior emoção em sua jornada, um se destaca: a formatura do Jardim de Infância da filha. “Ela foi oradora da turma, tão pequenininha, ali, conduzindo todos com aquela vozinha firme. Foi a primeira conquista dela e poder estar presente foi indescritível,” conta Aline, enquanto seus olhos se enchem de lágrimas de orgulho. Mesmo nos dias difíceis, Aline encontra forças no amor que cresce a cada sorriso, cada abraço, cada pequena conquista de sua filha. “Ser mãe é descobrir um amor tão imenso que nem dá para colocar em palavras,” afirma.
Para Letícia e Aline, o fio condutor de suas histórias é o amor. Um amor que transcende o medo, que dá forças para enfrentar os dias mais difíceis e transforma completamente quem elas eram antes de abraçarem a maternidade. Quando questionadas sobre como descreveriam essa experiência em uma única palavra, não hesitam: amor. Letícia o define como algo “perfeito, embora desafiador,” enquanto Aline resume com simplicidade: “Mãe é amor, e maternidade é amor. Não existe palavra que explique melhor.”
As histórias de Letícia e Aline ecoam uma verdade universal sobre a maternidade: é uma jornada repleta de desafios, renúncias e mudanças, mas também de um amor que redefine tudo. Mais do que um papel, ser mãe é uma transformação que revela a essência do que significa amar incondicionalmente.
Amor que tudo transforma
Renata Souza se tornou mãe aos 23 anos. Naquele momento, sentiu o peso de uma decisão importante: criar sua filha como mãe solo. O início dessa caminhada foi marcado por sentimentos de angústia e incerteza. Ela lembra como foi descobrir que estava grávida, um misto de pânico e a sensação de que sua vida havia virado de cabeça para baixo. O dinheiro, que antes era apenas dela, agora seria direcionado para alguém que dependeria completamente dela. Renata, que sempre teve o controle sobre sua própria rotina, se viu em um turbilhão de dúvidas. “Será que vou dar conta? Será que vai dar certo?”
Sete anos depois, já com 30 anos, Renata encarou uma nova gravidez, desta vez planejada e com o apoio do marido. Ver o teste positivo, dessa vez, trouxe outro tipo de emoção: alívio. “Tentamos por seis meses”, conta, relembrando a ansiedade que sentia a cada falha no planejamento. Agora, a expectativa era diferente, mas a intensidade da transformação persistia. Mesmo assim, Renata nunca romantizou a maternidade. “É um processo de mudança profunda, você se deforma, não só fisicamente, mas na alma e na maneira de pensar”, reflete. “A gestação, assim como as rosas, tem sua beleza, mas também seus espinhos.”
Graziela Blanch, mãe de três, também experimentou como a maternidade pode ser agridoce. Ela realizou o sonho de ser mãe em meio a circunstâncias desafiadoras. Após superar um câncer, engravidar rapidamente foi uma surpresa. Entretanto, a sensação de invasão a acompanhou durante toda a gestação, intensificando-se após o nascimento de sua primeira filha, Flor. “O corpo da gestante passa a ser público, a pessoa se sente no direito de te tocar, mas eu não estou te convidando e isso torna-se muito claro quando você tem o bebê, ele não é seu. É você quem cuida, quem fica sem dormir, mas você não sabe cuidar. Isso é muito forte na criação dos filhos”, conta.
O desejo de aumentar a família surgiu logo após o nascimento de Flor. Aos 37 anos, Graziela e o marido optaram pela adoção e receberam Aline e Rodrigo. A chegada das crianças trouxe uma nova dinâmica ao lar, marcada por desafios inesperados. Rodrigo foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista e a família se viu em uma luta contínua por terapias, ajustes e compreensão. “Uma criança atípica às vezes está estável e, de repente, algo muda e você não sabe o porquê”, explica Graziela.
Apesar de tudo, ela encontra as maiores alegrias nos momentos mais simples. “A maternidade é feita das pequenas coisas”, afirma. “Chegar no final do dia, ver as crianças dormindo e pensar ‘eu tô dando conta!’. São as pequenas conquistas deles, que, na verdade, são enormes, que me marcam.”
A maternidade em uma palavra
Quando perguntadas sobre como resumiriam suas experiências como mães, todas concordam: amor. Para Letícia, ser mãe é “perfeito, embora desafiador”. Já para Aline, “mãe é amor e maternidade é amor”. Iracy revela que é “realização” e Renata descreve que é como uma “montanha-russa.” Graziela diz que é “agridoce”, e “não há como descrever melhor.” As histórias abordadas refletem a essência da maternidade: uma caminhada cheia de desafios, renúncias e mudanças, mas marcada por um amor incomparável. Mais do que um papel, ser mãe é uma transformação que ressignifica a vida de quem abraça essa missão.