quarta-feira, 23 de outubro de 2024
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Mananciais de Goiânia se encontram em nível de alerta

Dos 85 cursos d’água da capital, responsáveis pelo abastecimento de 641 bairros, 76 estão em situação crítica.

Foto do Rio Meia Ponte em junho de 2024 | Fonte: Eduardo Medrado e Gustavo Alves.

A gestão de resíduos sólidos em Goiânia está colocando em risco os principais mananciais que abastecem a cidade. Goiânia possui quatro ribeirões (Anicuns, João Leite, Capivara e Dourados); um rio (Meia Ponte); e 80 córregos. Dos 85 cursos d’água que correm pela capital, responsáveis por abastecer 641 bairros, 76 estão em situação crítica devido à poluição, resultante principalmente do descarte irregular do lixo.

A prática inadequada compromete a qualidade da água e a capacidade de abastecimento dos bairros, segundo um estudo do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo).

Fonte: Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo).

A Bacia Hidrográfica do Rio Meia Ponte é considerada a principal bacia hidrográfica goiana, abastecendo 39 municípios, o que representa aproximadamente 40% da população goiana, incluindo a Região Metropolitana e importantes municípios, polos industriais e agroindustriais, que utilizam as águas para diversas atividades.

A situação alarmante dos mananciais de Goiânia não é recente. Em 2018, o estudo Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana, produzido pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana, destacou Goiás como o estado de menor desempenho em relação ao descarte de lixo urbano. A falta de infraestrutura adequada e a conscientização insuficiente da população agravam o problema.

Em 2023, o Plano Estadual de Resíduos Sólidos (Pers) apontou que 85% dos resíduos de construção civil eram descartados de forma irregular. De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o levantamento apontou que 21% destes são colocados em encostas, corpos d’água ou lotes vagos. O descarte irregular contribui significativamente para a poluição dos cursos d’água, aumentando a quantidade de sedimentos e resíduos nos mananciais e dificultando a recuperação deles.

De acordo com o Plano Estadual de Recursos Hídricos de Goiás e o Plano de Bacia, as principais interferências que afetam direta ou indiretamente a disponibilidade hídrica superficial e subterrânea, em quantidade e qualidade, são problemas de uso e ocupação do solo; degradação das Áreas de Preservação Permanente (APP); ausência de mata ciliar, entorno de nascentes e margens dos mananciais; lançamento de resíduos produzidos pela indústria; poluição difusa; problemas relacionados à expansão urbana; expansão dos múltiplos usos dos recursos hídricos; e interferências, usos e captações de água irregulares.

Alguns moradores e trabalhadores da região do Rio Meia Ponte relataram o mau cheiro constante na área. José Ribamar, Walkisana Ribeiro e Indiara Menezes moram no bairro Urias Magalhães e expõem o descarte de lixo inadequado no Meia Ponte de forma terrível.

“Eu já presenciei pessoas jogando lixos hospitalares, sofás, colchões e, nos últimos tempos, até entulho de obras de um condomínio que foi construído nas proximidades”, enfatizou Walkisana. Ela ainda afirmou que antigamente “lá (no rio) tinha peixes, a água era limpinha, dava para ver os cardumes passando”.

A Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg) relatou, em nota, que “sacos e sacolas de plástico com lixos domésticos são os principais resíduos encontrados dentro dos leitos. Além disso, há também muitos objetos, como camas, geladeiras, cadeiras, colchões e sofás. Todos os locais são contemplados de forma alternada”.

Foto do Rio Meia Ponte em junho de 2024 | Fonte: Eduardo Medrado e Gustavo Alves.

A poluição dos mananciais prejudica a biodiversidade local e compromete o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição das águas causa mais de 500 mil mortes por ano em nível global. Isto porque os principais poluentes são vírus, bactérias, parasitas, plásticos, resíduos fecais e substâncias radioativas.

Goiás

Goiás abriga nascentes de importantes regiões hidrográficas, como as do Paraná e Tocantins- Araguaia, além de conter uma pequena porção do território sobre a bacia do Rio São Francisco. Do total de moradias urbanas, 62% têm o abastecimento associado a mananciais superficiais, que são fontes de água doce encontradas na superfície do solo. Os principais temas enfrentados em relação à gestão hídrica na região estão relacionados ao saneamento ambiental, abastecimento urbano, desmatamento e à qualidade da água.

A Saneago, empresa responsável pelo abastecimento público nos municípios de Goiás, esclarece que, embora seja apenas uma das usuárias das bacias hidrográficas, apoia ativamente iniciativas de recuperação e preservação ambiental. A companhia realiza as ações em parceria com órgãos, como a Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Secretaria do Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Ministério Público, prefeituras, produtores rurais e sociedade civil, com o suporte do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar Ambiental.

A Saneago monitora a qualidade e quantidade dos mananciais e, apesar de a água ter sido suficiente para atender a demanda, enfatiza a necessidade de continuar os serviços ambientais para conservação do solo, manutenção da vegetação nativa e recuperação de matas ciliares e nascentes. A degradação das bacias não compromete apenas o abastecimento público, mas todas as atividades econômicas da região.

“No entanto, atualmente, a situação das bacias de abastecimento não oferece riscos em relação à falta de oferta hídrica para o abastecimento público”, ressalta a companhia, por meio de nota.

Questões climáticas

Dados da Cimehgo apontam que a situação hídrica da bacia, “agravadas também pelas questões climáticas, vem piorando nos últimos anos, com redução das precipitações e consequente redução na vazão de escoamento do manancial, comprometendo a capacidade de atender aos múltiplos usos existentes e colocando em maior risco não só as suas condições ambientais, mas toda a sociedade e as atividades que dependem dessas águas”.

Ao longo dos últimos anos, os impactos das mudanças climáticas em Goiás são exemplificados em verões mais chuvosos, invernos mais secos e rigorosos e primaveras escaldantes, e a tendência é que o cenário piore.

Segundo o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados. Goiás está entre os três estados brasileiros que mais registraram aumento de temperatura nos últimos 30 anos, com acréscimo de 1,5ºC, conforme dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Os especialistas e os relatórios publicados apontam que a onda de calor atual é resultado de uma série de fenômenos e mudanças que, juntas, fazem a temperatura subir. As mudanças climáticas, somadas aos efeitos do fenômeno El Niño, do Aquecimento Global e as ações do homem, têm causado temperaturas recordes.

O calor também impacta significativamente no abastecimento de água. A Semad e o Cimehgo relatam em relação ao monitoramento diário dos níveis dos mananciais no Estado de Goiás que em junho de 2024, com a continuidade do período de estiagem no Estado, “os mananciais não são recarregados devido à ausência de chuvas significativas e permanecem diminuindo os seus níveis gradativamente”.

Fonte: Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo).

Segundo o gerente do Cimehgo, André Amorim, a vazão do Rio Meia Ponte, um dos principais mananciais de abastecimento de Goiânia e Região Metropolitana, está em nível de alerta.

“Nós estamos realmente num estado de alerta para o Meia Ponte, onde a vazão está menor que 9 mil litros por segundo. Os prognósticos demonstram que essas chuvas vão começar a retornar a partir de meados de outubro. Então temos um grande percurso pela frente para que essas chuvas retornem e recuperem sim os níveis dos mananciais”, enfatiza André.

Leis e políticas públicas

A Constituição Federal dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre normas de proteção a florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. Com base nesse princípio, a Lei Estadual nº 21.054, proposta pelo deputado estadual Rubens Marques (UB), instituiu em julho de 2015 a Política Estadual de Proteção e Preservação das Nascentes de Água em Goiás.

Segundo o Sistema de Informações Geográficas de Goiânia (Siggo) e o mapa utilizado pela Prefeitura, Goiânia possui 257 nascentes. Para alguns especialistas, o número seria subnotificado.

A quantidade, no entanto, é a utilizada pela Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) para monitoramento. De acordo com Wanessa de Castro, chefe de gabinete e bióloga da Amma, a agência trabalha “preventivamente coibindo a ocupação das áreas de preservação permanente e descarte irregular de resíduos”.

Gabriel Carneiro, analista em obras e urbanismo da Prefeitura de Goiânia, explica que as nascentes identificadas e catalogadas recebem uma fiscalização mais rigorosa, mas que “é essencial delimitar as unidades de conservação para promover uma política de proteção mais eficaz […] para garantir a preservação dos recursos naturais e a sustentabilidade ambiental a longo prazo”.

Um levantamento feito junto ao Siggo e ao mapa digital da prefeitura em fevereiro de 2023 mostram que pelo menos 20 nascentes da cidade já não possuem condições que garantam a manutenção, em relação às suas Áreas de Proteção Permanente (APP).

Gabriel destaca que um dos principais problemas enfrentados nas APPs da capital são as ocupações irregulares. “Embora o município possua uma política de regularização fundiária, essa política não consegue acompanhar o volume crescente dessas ocupações”, afirma.

Plano diretor

O Plano Diretor de Goiânia – Lei Complementar N.° 349, de 4 de março de 2022 – prevê a proteção de recursos hídricos no município ao indicar que toda nascente deve ter uma APP de 100 metros de raio. Isto quer dizer que a ocupação urbana é proibida nestes locais para que seja preservada a mata nativa.

Gabriel aponta que o Plano Diretor não é eficaz na proteção do meio ambiente ou dos recursos hídricos, destacando que a responsabilidade deve ser atribuída a uma legislação ambiental específica.

“Atualmente, o grande problema da preservação dos mananciais em Goiânia é justamente a ausência de uma lei ambiental abrangente e eficaz. Uma lei ambiental específica proporcionaria diretrizes claras para a proteção dos recursos naturais, estabelecendo normas de conservação, fiscalização e penalidades para infrações ambientais. Sem essa legislação, as ações de preservação ficam fragmentadas e menos efetivas, dificultando a proteção dos mananciais e outras áreas de importância ecológica”, conclui Gabriel.

EQUIPE DE PRODUÇÃO JORNALÍSTICA:

Edição final: Carolina Zafino e Rízia David

Redação da reportagem: Rízia David, Emanuelle Mattos, Nathalia Rocha e Julia Macedo.

Fotografias: Eduardo Medrado e Gustavo Gomes.

Coleta de dados: Sarah Martins, Vitor Daniel e Yan Linhares.

Supervisão Geral: Profª Me. Carolina Zafino (Jornalismo de Dados).

*O conteúdo produzido e publicado no Impressões é resultado de um processo de aprendizado pedagógico do curso de Jornalismo da PUC Goiás dos alunos na disciplina de Jornalismo de Dados.