Por Diego Almeida e João Vitor Barrozo
Os dados do relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostraram que 176 lideranças indígenas foram assassinadas no Brasil, em 2021, e ocorreram 226 invasões nos seus territórios. Os dados foram apresentados pelo secretário executivo da entidade, Antônio Eduardo, durante a Semana dos Povos Indígenas, realizada na PUC Goiás, de 17 a 20 de abril.
Para o secretário, o processo histórico do Brasil contribuiu para a formação de uma sociedade sem espaço para alteridade. E a violência contra os indígenas é uma questão estrutural.
“O trabalho escravo imposto aos negros, a tortura imposta como método disciplinador, a desvalorização do trabalho manual e a ausência de direitos para aqueles que produzem a riqueza constituíram relações de classe explicitamente brutais e excludentes. Com essas características, chegamos a uma sociedade de classe sem espaço para alteridade dos povos indígenas”, destacou o secretário executivo.
Segundo Edel Moraes, representante do Ministério do Meio Ambiente e participante do debate, a devastação do meio ambiente também é violência contra povos indígenas: Para a servidora do Ministério do Meio Ambiente, defender essas pessoas passa pela defesa de toda a natureza.
“São violências que ocorrem contra todos os nossos patrimônios naturais, nossas paisagens, que afetam e atravessam diretamente os corpos de homens e mulheres indígenas e não indígenas, violências da exploração ilegal dos recursos naturais, como o garimpo ilegal em territórios indígenas. Isso é um processo de epistemicídio, de crime orquestrado, planejado contra os povos indígenas”, ressaltou Edel.
Kamutaja Silva, ativista na luta por território e fiscal do Instituto Indígena do Tocantins, relatou sobre luta das comunidades pelo exercício de direitos, do seu modo de vida e sobrevivencia. Segundo ela, o empenho na busca de cidadania dos indígenas começou com a chegada dos europeus no país e está presente na história do povo Ãwa desde então. O povo Ãwa, também conhecidos como Avá-Canoeiro, situam-se próximo a bacia do Rio Araguaia, na divisa entre os estados do Tocantins e Goiás. De acordo com a ativista, atualmente o povo é divido em duas famílias que estão separadas.
“Desde quando os invasores europeus chegaram aqui e o ouro ficou escasso, resolveram investir em agropastoril e meu povo era agricultor. Então eles os encontraram, que foram um dos povos aguerridos, que lutaram para proteger o seu território e também para não ter contato com os europeus. Nesse processo ocorreram muitas guerras e muitas mortes, e, como estratégia, houve uma dispersão do povo”, relata Kamutaja.
Em 1973, durante a ditadura no Brasil, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) era militarizada e o governo tirou a população Ãwa de seu território e a colocou em aldeias de outros povos. Desde então, os Ãwa seguem sem território próprio, o que prejudica o reconhecimento como povo indígena.
“Durante mais de 40 anos, o meu povo passou a não ser reconhecido aqui no Estado do Tocantins, porque eu percebi que um povo indígena que não tem território é como se fosse um povo morto. Precisamos ter um espaço que é o nosso território, para ter um reconhecimento do Estado como povo. Com a perda do nosso território, nós perdemos atendimentos de políticas públicas”, disse a ativista.
A demarcação de terras indígenas possibilita a garantia dos direitos territoriais desses povos e assegura proteção estatal de possíveis invasões por outras pessoas, como grileiros e garimpeiros. Prevista por lei, assegurada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto do Índio, a demarcação de terras indígenas continua sendo competência da Funai.
Kamutaja explica que o território de seu povo foi instituído em 2016, mas, a partir do ano seguinte, a Funai interrompeu o processo de demarcação, que passou a ocorrer de forma judicial. Em 2022, o juiz responsável reconheceu a tradicionalidade do povo, mas diminuiu o espaço do território acordado anteriormente. Ela ainda destacou que os Ãwa perderam uma fazenda que foi utilizada para reforma agrária.
Kamutaja conta a importância de haver espaços para a fala de indígenas, onde possam ter acesso à toda a sociedade.
A importância da temática
A professora Poliene Bicalho, do comitê organizador da Semana dos Povos Indígenas da PUC Goiás, abordou a importância de discutir os vários tipos de violência contra os povos originários.
“Hoje nós temos no Brasil um complô dos latifundiários e dos anti-indígenas, que procuram não só violentar fisicamente esse povo, mas também no que diz respeito à invasão dos seus territórios, ao não tratamento adequado, à saúde indígena, haja visto o que foi a questão dos Yanomami e a educação formal indígena. Então são vários tipos de violências, e esse encontro é importante para que nós da sociedade civil possamos compreender melhor os tipos de violências gerada contra seus povos”, ressaltou a professora.
Para a professora Denize Daudt, mediadora do debate, é importante jogar uma luz sobre o tema, pois é assim que começam as mudanças.
“Se não falamos sobre as violências, é como se elas não existissem, se não existem, nós também não fazemos nada para mudar a sociedade. Abrir uma mesa que fala sobre as violências sofridas pelos povos indígenas é fundamental para nós fazermos uma reflexão da nossa sociedade e pensar como podemos reverter um quadro presente nela e pensar nessa mudança provoca e promove políticas públicas”, explicou Denize.
A Semana dos Povos Indígenas foi realizada pelo Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), vinculado à Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PROPE) da PUC Goiás, dos dias 17 a 20 de abril. Com mesas, debates, apresentação de trabalhos, exposição fotográfica e de artesanatos e da arte indígenas, cinemas e vivências sobre o modo de vida indigenista. O evento ainda pode ser visto no site da PUC Goiás, através do canal no YouTube.
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Repórteres: Diego Almeida e João Vitor Barrozo
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Supervisão Geral: das professoras Noêmia Félix da Silva (Jornalismo Científico e Ambiental) e Carolina Zafino (Ciberjornalismo).