Exposição que acontece no Museu da Imagem e do Som de Goiás resgata a discussão sobre a importância do ofício.
Reportagem: Gabriella Serrano
Ao caminhar pelas ruas de Goiânia, especialmente entre a Rua 82 e a Avenida Araguaia, ainda é possível encontrar bancas de fotos rápidas, popularmente conhecidas como bancas lambe-lambe. Do lado de fora destas bancas, estão os dizeres em letras garrafais: “FOTO DIGITAL AQUI”. Os formatos oferecidos variam de 3×4 a 5×7, que são os tamanhos comumente solicitados para documentos.
Nos dias de hoje, pessoas ficam sentadas em cadeiras de plástico ou até em pé andando pela calçada à espera de clientes. Por vezes, ouvimos a oferta: “Vamos tirar uma foto?”. O cenário que compõe essas cabines conta com detalhes simples: uma câmera fotográfica, um fundo branco, uma tesoura, uma impressora e um espelho. Para aqueles que desejarem se arrumar antes da foto, existem paletós disponíveis e pentes para os cabelos.
O processo para tirar a foto é tão rápido quanto o prometido pelos fotógrafos. Já dentro da banca, há um pequeno banco em que a pessoa se senta na hora de fazer a foto. Depois de fotografar, o responsável pela banca vai até a impressora. Não demora muito para que o cliente saia com as fotos que precisa em mãos.
A fotografia de rua já foi muito comum em Goiânia e esteve presente em vários lugares da cidade, ajudando a moldar as histórias e memórias do povo goianiense. Tempos atrás, existiam vários pontos com bancas de fotos que ofereciam diferentes serviços aos clientes. As coisas mudaram bastante com o avanço da tecnologia, mas ainda é possível encontrar bancas de fotos que resistiram bravamente.
A história dos lambe-lambes
Os fotógrafos lambe-lambe, também conhecidos como fotógrafos de rua ou ambulantes, surgiram nas primeiras décadas do século XX. Esses fotógrafos utilizavam um equipamento chamado de câmera lambe-lambe ou câmera caixote. Em seu interior, o equipamento abrigava um pequeno laboratório fotográfico, que lhes permitia fotografar e revelar instantaneamente as fotografias que eram tiradas em jardins em praças.
A fotografia de rua estava presente em diferentes lugares, cidades e países. No Brasil, independentemente da localidade, existe algo que é comum a todos: o momento do surgimento. Em torno de 1930, a exigência da carteira de trabalho e da fotografia 3×4 nela impressa fez com que a prática se tornasse popular. O fato é que muitos estúdios fotográficos contribuíram nesse processo, mas a rapidez e os preços mais baixos oferecidos pelos fotógrafos lambe-lambe possibilitaram um acesso maior a esses serviços.
No final dos anos 1960, as ruas de Goiânia se tornaram um palco para estúdios fotográficos que ofereciam diferentes tipos de fotografias. Os fotógrafos de lambe-lambe atuantes desde o início relatam que as bancas de fotos rápidas compuseram o cenário de vários pontos da capital. Os profissionais se instalaram no parque Mutirama, Lago das Rosas, no entorno da Praça Cívica e nas avenidas Goiás, Araguaia, Tocantins, além da rua 4 e das praças A e Joaquim Lúcio.
No Lago das Rosas, ou no Mutirama, existiam fotógrafos de rua que, além de fazer fotografias para documentos, fotografavam crianças com cavalinhos e outros acessórios que eram complementados pela vista da cidade ao fundo. Em 1980, o cenário da prática começou a se alterar. A produção de fotos com cenários diminuiu e a produção das fotos rápidas para documentos continuou.
O avanço tecnológico e os fotógrafos em Goiânia
Os fotógrafos lambe-lambes, em sua maioria, eram pessoas anônimas que vieram de origem simples. Durante o auge da profissão, que aconteceu entre as décadas de 1920 e 1950, essas pessoas conseguiam se sustentar graças às fotos que tiravam em suas bancas. Com o avanço tecnológico e com a diminuição do lucro, alguns dos fotógrafos lambe-lambe decidiram fechar a banca e seguir outro rumo na vida profissional. O entorno da Praça Cívica ficava ocupado por cerca de 8 bancas e ainda havia espaço para uma banca vermelha que oferecia lanches. Hoje apenas 5 bancas ainda estão funcionando.
No catálogo “Lambe-lambe em Goiânia: histórias que se revelam nas ruas e nos retratos”, coordenado por Ana Rita Vidica Fernandes e com a participação dos pesquisadores Guilherme Talarico e Rafael de Almeida, o fotógrafo Carlos Antônio de Moraes relatou que a profissão permitiu que ele e os amigos que atuavam na área tivessem uma vida melhor. Segundo ele, quando chegava a época de pagar as taxas de inscrições para vestibulares e as renovações de matrícula, os profissionais da área saíam cedo para trabalhar e conseguiam o dinheiro necessário para levar para casa. No entanto, a realidade atual é diferente.
“Quando era época de inscrição para vestibular, de renovação para as matrículas, aí a gente tirava muita fotografia. Teve dia que a gente tirava até 40 cabeças, igual a gente falava. 40 poses. Foi uma época boa, que eu sei que não volta mais”, comentou.
Uma prática com importância social e cultural
Ana Rita Vidica Fernandes é mestre em Cultura Visual pela Faculdade de Artes Visuais e doutora em História pela Faculdade de História, ambas pela Universidade Federal de Goiás. Ela coordenou o projeto “Lambe-lambe em Goiânia: histórias que se revelam nas ruas e nos retratos”, que deu origem a um catálogo e um vídeo documentário. Para ela, os fotógrafos de rua têm uma importante relação com as memórias pessoais e coletivas da cidade de Goiânia.
“Existe sim uma relação entre o trabalho desses fotógrafos e suas histórias e memórias individuais e coletivas. Suas histórias pessoais, a busca de um emprego, o aprendizado da fotografia na prática e nas ruas, se cruza com o crescimento da própria cidade de Goiânia e do Brasil”, diz. Além disso, Ana Rita pontua que esses profissionais tiveram um papel importante no movimento de popularização da fotografia.
“A popularização da fotografia se vincula ao uso de tecnologias que tornam mais rápido o manuseio do equipamento fotográfico e a diminuição dos custos. Os fotógrafos de rua, com o uso da tecnologia ‘lambe-lambe’ possibilitaram essa rapidez, já que suas câmeras tinham duas funções, fotografar e revelar, já se constituíam em “mini-laboratórios fotográficos portáteis”, além de serem câmeras fotográficas”, comenta a coordenadora do projeto. “E, isso ocasionou um barateamento da fotografia, já que se faziam várias cópias em um só papel fotográfico, o que gerou uma maior acessibilidade, especialmente, para a classe trabalhadora”, finaliza.
O reconhecimento nos museus
Em 5 de agosto, o Museu da Imagem e do Som de Goiânia (MIS/GO) inaugurou, em parceria com a WA Imagem e Produção Cultural, exposições que fazem parte da ocupação cultural “O MIS é Nosso SIM”. O vídeo documentário e o catálogo coordenados por Ana Rita Vidica estão dentre as exposições e destacam a importância do ofício de fotógrafo lambe-lambe. Vitória Bandeira, que é coordenadora do museu, afirma que a ocupação cultural que acontece no MIS/GO busca democratizar o acesso à fotografia.
“O projeto de Ocupação ‘O MIS é Nosso Sim’ tem como objetivo maior, a democratização da arte fotográfica, ampliando o acesso aos bens culturais do Museu da Imagem e do Som de Goiás, na sua pluralidade, criando novos olhares e releituras, contribuindo para uma maior fruição entre o espaço museológico e a comunidade”, afirma.
A pesquisadora acredita que resgatar a história dos fotógrafos lambe-lambe através deste catálogo e do vídeo documentário é importante para inserir esses profissionais na história da fotografia de Goiás. “Resgatar a história destes fotógrafos lambe-lambe é reconhecer as suas trajetórias, seus saberes e, abre à possibilidade de inseri-los na história da fotografia de Goiás. Por isso, a importância se dá no resgate da memória, o que possibilita que outras gerações conheçam essa prática fotográfica, que é popular, participa da vida social da cidade e que, muitas vezes é invizibilizada”, comenta.
Vitória Bandeira acredita que, para além de inserir os fotógrafos lambe-lambe na história do estado, a exposição é uma maneira de ressaltar um outro ponto de vista sobre a fotografia. “A pesquisa sobre os ‘lambe-lambe’, coordenada pela professora Ana Rita Vidica, ao trazer à tona a história desses fotógrafos e seu ofício, que se encontra em vias de desaparecimento, ressalta uma outra maneira do pensar e fazer fotográfico”, diz. “A história dos fotógrafos lambe-lambe, contribui assim, para o fortalecimento da história da fotografia em Goiás”, acrescenta.
Além da exposição do vídeo documentário e do catálogo, o MIS/GO também apresenta as mostras “Luiz Pucci: É favor me olhar com cuidado” e “Mulheres: Identidade e resistência”.