domingo, 22 de junho de 2025
InicialReportagens

Importância de ler para exercitar o cérebro

Fugindo dos clichês e de histórias mal construídas, quem lê se questiona: qual vai ser o próximo da lista?

Foto: Arquivo pessoal, Gabriela Rezende.

Por: Emanuella Messias.

Os dedos rolam pela tela do celular de forma apressada, num instante, os olhos, fixos o tempo todo, encontram um vídeo de uma pessoa fazendo considerações sobre o livro que leu recentemente. Movido pela curiosidade, o telespectador clica num ícone que o direciona para os comentários e também nota a quantidade de curtidas recebidas pelo vídeo. Por fim, julga que precisa comprar aquele livro e tirar as suas próprias conclusões.

Assim que vão surgindo as “modas” propostas pelas plataformas digitais, mais especificamente, pelo Tik Tok. Os booktokers, criadores de conteúdo literário no Tik Tok, fazem vídeos para compartilharem suas opiniões acerca dos livros lidos. Como consequência, as pessoas buscam esses conteúdos em alta, os livros, como se diz, hypados.

Os sebos onlines são um canal de compras para muitas pessoas. Gabriela Rezende, estudante de jornalismo da PUC Goiás, comenta, por exemplo, sobre as vendas virtuais. Tudo começou pelo gosto de literatura de sua tia, em Itapuranga (GO), inicialmente os livros eram alugados e depois passaram a ser vendidos por preços acessíveis se comparados com a livraria da cidade. A maior procura são livros que tem hype no TikTok, Colleen Hoover, Taylor Jenkins e Sarah J. Maas, algumas das autoras mais famosas entre as vendas das obras.

Para promover a democratização do acesso ao livro e à leitura em todo o país, a Câmara Brasileira do Livro (CBL), associação sem fins lucrativos, criou um dos mais conhecidos e importantes eventos literários, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Além disso, produz pesquisas, apoiando a segunda edição do Panorama do Consumo de Livros, publicado em 2025, para estudar o objetivo do perfil e os hábitos de compra dos consumidores de livros.

Nesta edição, a pesquisa mostra os canais de compras preferidos dos consumidores de livros, como mostrado a seguir:

Foto: Gráfico ilustrativo da pesquisa Panorama do Consumo de Livros, 2025.

Das respostas mais frequentes de quem compra on-line está: os preços são melhores, com promoções; mais prático; fácil de encontrar os livros que querem e não precisam sair de casa.

ALÉM DO TIK TOK

O embate de que os livros da atualidade possam se tornar clássicos um dia é o que Larissa Oliveira, advogada e graduada em Letras, levanta em sua fala. “Um clássico tem muito peso, enraizado. Os livros hypados não ficam eternizados, como aconteceu com os clássicos.” Ela explica que vivemos numa sociedade muito rotativa, heterogênea, de diferentes vertentes e modos de pensar, por isso surgem livros diversos que, talvez, não tenham a capacidade de se tornarem um memorial algum dia com os conteúdos produzidos atualmente. Ela propõe, portanto, que, se o livro persistir na escola, o fundamento principal, onde uma problemática pode ser debatida, estudada e muito bem colocada, tem chances de se tornar um clássico.

Larissa, que também é mestranda em Crítica Literária, afirma que a qualidade de um livro depende de uma boa escrita, não deixar lacunas, estruturado, com personagens bem narrados e ter uma ligação com o leitor. Ana Carolina Costa, ex-criadora de conteúdo digitais do Tik Tok e Instagram, conta que ao ler as sinopses pensa ser um conteúdo, considerando o seu todo, de qualidade, mas o que acontece é ao contrário. “Eles pegam uma história muito boa e escrevem, conduzem o enredo muito mal. Mas se você pegasse aquela mesma história e colocasse na mão de um bom escritor, ia ficar uma coisa sensacional.”

As resenhas feitas no aplicativo se deram devido ao período de isolamento social, a pandemia de COVID-19. “Percebi que o Tik Tok era uma rede que conectava as pessoas muito rápido, à distância, e que você podia acabar fazendo amizades fora da sua bolha.” Seu intuito era ter a oportunidade de encontrar e conversar com pessoas que tinham ideias diferentes da sua a respeito de algum livro. Porém, alguns livros ela comentava não por serem os seus favoritos, mas por terem um alcance muito maior, a exemplo da série de livros, ACOTAR, “Corte de Espinhos e Rosas” (em português), por Sarah J. Mass.

Compartilhando do mesmo espaço criativo e literário, Myreia Liduario, também ex-criadora de conteúdo no Tik Tok, fazia trends de maneira mais lúdica, como ela mesma diz “era como se fosse algo que eu passei na minha vida, num tom de fofoca e não como uma crítica específica.” Diferente de outras plataformas, como YouTube e Instagram, onde exigem uma melhor elaboração de roteiro, o Tik Tok serve para instigar interesse e curiosidade a quem está assistindo os vídeos, além do mais, os vídeos são curtos.

Para Myreia, sua opinião sobre os livros em geral é que existem aqueles que são feitos para pensarmos e explodirmos a cabeça, todavia, também têm livros que são feitos para você só ler e relaxar a mente. Esses fatores acontecem através da escolha pessoal do leitor, ela comenta que até um audiobook tem o seu nível de dificuldade. Faz, ainda, um questionamento sobre comentários que dizem existir livros decadentes. “Porque vemos hoje em dia muitos hots, livros com romance muito aflorado, se você acha que isso é decadente, vai procurar algo que seja um pouco mais intelectual, caso você queira.”

Para a estudante Gabriela, os livros contemporâneos e os clássicos têm muita diferença na escrita e, principalmente, na absorção do que está sendo lido. “Quando eu leio um livro de romance passa a minha fissura em um dia ou em um mês, que é o máximo que eu já fiquei fissurada por um livro. Agora, o livro clássico, normalmente, você leva para a vida.” Além dos livros que cansam e fazem com que se perca o interesse no meio da história. “Cleópatra e Frankenstein, da Coco Mellors, foi negativo porque a escrita é muito arrastada, a narrativa em terceira pessoa, e os detalhes são extensos, assim como a saga Crepúsculo, da Stephenie Meyer.”

ATO SOLITÁRIO E A PSICOLOGIA

Sentado numa cadeira ou sofá, deitado na cama ou em pé esperando pelo próximo ônibus, com ou sem os fones de ouvido, de várias formas, um livro pode ser lido, depende da escolha de cada pessoa, assim como o que ela decide ler. Não se pode afirmar o contrário de que, independentemente da forma que lê ou o seu conteúdo, o leitor executa tal função sozinho.

Rogério Borges, professor no curso de jornalismo da PUC Goiás, mestre em Estudos Literários e Linguística pela UFG, explica como funciona esse exercício. “Muitas vezes exige uma certa reclusão, um espaço mais silencioso, mais calmo, onde a pessoa possa se envolver naquilo ali, sem distrações, sem interferências muito constantes, a fim de inserir-se de uma maneira mais profunda.”

Raul Martins Lima, tradutor, revisor e com cursos sobre leitura e escrita, aborda, em seu Instagram, nos destaques “Ler Melhor”, o desafio de ler, porque estamos acostumados a receber estímulos visuais e sonoros de forma passiva, enquanto a leitura é ativa. “A leitura não oferece estímulo nenhum. São letras impressas num papel, elas não se mexem, não contém links que te levam para outros lugares, não tem som, ficam eternamente paradas, alheias ao seu estado psicológico ou arredores. E você precisa desvendá-las, vencê-las, sobrepujá-las para arrancar-lhes o sentido com sua inteligência. Nada disso é fácil. É chato, demorado e dolorido. Mas vale intensamente a pena.”

Diante deste desafio, os livros carregam ideias que são transformadas e incorporadas através de personagens. Nathália Pimentel de Andrade, psicóloga e escritora, tem a filosofia de que o mundo é feito pelas pessoas e elas tentam mudá-lo de forma “muito louca”, mas a solução mais segura é mudar cada pessoa. Os livros podem ser um canal para que isso aconteça. “As pessoas por estarem travadas em alguns pontos de dor, de sofrimento, não conseguem entender como podem mudar ou como podem enxergar alguma coisa de um ângulo diferente. E ao colocar uma ficção, uma história que está no outro, por uma coisa ali que não é real, você consegue alcançar esse entendimento”, explica. Para a psicóloga, a pessoa lê o livro e tira uma reflexão que ela consegue enxergar, não é um exercício que alguém te insere, mas de uma construção com base na experiência pessoal daquela leitura.

Para a escritora e psicóloga, os livros fazem referência ao “outro”, servem como uma representação dos sentimentos, dos pensamentos, das experiências de outra pessoa, tanto num cenário real quanto ilusório, para que ela mesma consiga ter noção do que é ou sente. “O livro retrata um outro que talvez seja igual ou diferente da sua ótica, do seu contexto e, independentemente disso, tem alguma coisa ali que você pode se identificar ou de se descobrir.”

Gabrielle Nicodemo tem o hábito de ler por muito tempo, motivada pelos pais, que também são leitores, e pelos quadrinhos da Turma da Mônica, além de cultivar o costume de exercitar a escrita e o desenho. Ela afirma que esse processo de experiência e interpretação é possível acontecer. “Você vive num tipo de realidade e começa a interpretar a realidade de uma pessoa completamente diferente de você […] Isso acontece especialmente na fantasia e na ficção científica, que utilizam analogias e metáforas para falar de questões relacionadas ao preconceito, por exemplo, relatos como racismo, misoginia etc.” Ao mesmo tempo que isso serve para o bem, serve para o mal, Gabrielle retoma a questão do senso crítico do leitor e de quem escreve.

O senso crítico de quem escreve é válido, porque o autor pode querer normalizar algo ruim ou ele queria apenas trabalhar uma história problemática e avisar sobre algo. Gabrielle usa como exemplo o livro “Lolita”, de Vladimir Nabokov. “O autor queria justamente escrever com a intenção de avisar, só que era uma espécie de narrador não confiável, você está vendo da visão do personagem, e para ele está tudo bem. A partir disso que entra o senso crítico do leitor e, infelizmente, tem muita gente que não tem senso crítico para ler, dizem que é normal e bonito, sendo contraditório a real intenção do escritor.” Uma teoria literária passa a se tornar realidade, a chamada “morte do autor”, onde não importa a origem, mas o destino. “O autor escreve e depois a pessoa interpreta como ela quer.”

Gabrielle também ressalta a importância de retratar coisas ruins na literatura, mas, para isso, é necessário o senso crítico do leitor e do autor também. Os livros que são vistos como escape, sem temas pesados, “não exercita o cérebro”, ela fala e cita uma frase famosa  “Quem lê vive mil vidas”, faz você sair da sua “bolha”, “caixinha”.

EXERCÍCIO DO CÉREBRO

Em uma lista criada no celular ou anotado num canto de um diário se registram os livros lidos no mês ou, melhor, durante o ano todo. No entanto, mesmo que as pessoas publiquem os seus “últimos lidos”, como que elas continuam sendo as mesmas? Não elaboram nenhum comentário ou opinião crítica, mantém os hábitos e, talvez o pior de todos, mal sabem se expressar na linguagem verbal e não verbal. Raul Martins, revisor de textos, responde a dúvida de seu seguidor no Instagram. O que acontece com estas pessoas que tanto leem, mas não melhoram em nada?

Partindo dessa premissa, ele destrincha, severamente e sem rodeios, uma série de fatores do problema proposto. “Como é que pode ter uma melhora se tudo o que você lê são manipulações psicológicas descaradas? Ou gente que finge estar dizendo algo muito profundo e só lhe empurra obviedades ou mentiras açucaradas ou gente que escreve ficção com a pior qualidade possível? Com aqueles clichês usados e reutilizados um milhão de vezes, com personagens inverossímeis e estereotipados, com a mais pura preguiça e se copiando eternamente a si próprios e uns aos outros, porque só o que sabem fazer é reproduzir uma fórmula?” Dessa maneira, a neurociência explica que as transformações exigem, quase sempre, algum desconforto ou dificuldade.

Devido à interferência do digital no cotidiano, livros são lidos sem atenção e, consequentemente, não conseguem atingir o seu objetivo. Segundo a neurocientista cognitiva, Maryanne Wolf, a habilidade de ler precisa ser criada no cérebro, por sua vez, esse circuito é moldado pela forma como lemos e pelo tempo que gastamos com a leitura. Diante de um cenário em que os textos são dispostos de forma fragmentada e superficial, a habilidade de entender argumentos complexos pode ser “atrofiada” caso não seja exercitada. Como abordado por Raul Martins, a pessoa lê um livro às pressas, sempre contando as páginas que faltam e ao terminar não sabe fazer um mínimo resumo para alguém. “Quantas vezes você já leu sem ter lido?”, questiona.

De acordo com a pesquisa nacional, Retratos da Leitura no Brasil, elaborada pelo Instituto Pró-Livro e o Itaú Cultural, com apoio da CBL, em sua 6° edição, leitor é aquele que leu, inteiro ou em partes, 1 livro nos últimos 3 meses e, não leitor, aquele que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses. Os índices foram retirados três meses anteriores à pesquisa, enquanto as definições de leitor e não leitor são mantidas desde a edição de 2007.

A tabela a seguir ilustra dados da pesquisa em amostra comparativa dos anos entre 2019 a 2024:

Foto: Gráfico ilustrativo sobre a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 2024.

Sobre a principal motivação que eles tinham para ler, como mostrado abaixo:

Foto: Gráfico ilustrativo sobre a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 2024.

Além dos gostos pessoais ou por influências exteriores, como vida escolar e profissional, a pesquisa Panorama do Consumo de Livros, de 2025, também apresenta os fatores que influenciaram os leitores na escolha de um livro. Os números coletados representam os anos de 2023 e 2024.

Neste caso, livros impressos e em forma de compra on-line:

Pesquisas Panorama do Consumo de Livros, 2025. Foto: reprodução.

Neste caso, livros impressos e em forma de compra presencial:

Pesquisas Panorama do Consumo de Livros, 2025. Foto: reprodução.

Neste caso, livros digitais em sua última compra:

Pesquisas Panorama do Consumo de Livros, 2025. Foto: reprodução.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, com a edição mais recente, conversou tanto com leitores quanto não leitores a fim de saber o que a leitura significa para cada uma delas, tendo a chance de escolher uma das opções para ser a primeira e outra como segunda opção.

Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 2024. Foto: reprodução.

Dentre as respostas mais votadas, em primeiro lugar, a leitura traz conhecimento; em segundo lugar, a leitura traz atualização e crescimento profissional; em terceiro lugar, a leitura me ajuda no desenvolvimento da criatividade.

CABE ENTRETENIMENTO?

A literatura tem a capacidade de transitar em todos os espaços sem excluir nenhuma temática, afirma o doutor em Comunicação e Sociedade, professor Rogério Borges. “A arte não tem esse tipo de limitação de dizer que só pode falar de determinado assunto. No entanto, esse entretenimento pode levar a outras questões, ele pode falar da alma humana, reflexões sobre a vida, sobre as pessoas, descrever determinados cenários sociais, mesmo sendo entretenimento. Não existe divórcio entre falar do mundo, até de uma maneira mais profunda, e entretenimento.”

Uma função social é presente na literatura de entretenimento, as pessoas preferem gastar horas maratonando uma série no streaming, vídeos e fotos nas mídias sociais,consequentemente, para atrair esse público a escrita precisa se habituar a novos tempos. A escrita literária de entretenimento abre as portas da leitura para quem não está acostumado a, talvez, nenhum tipo dela. A partir de estruturas narrativas que captam a atenção do leitor com as mais variadas estratégias, trazem, ainda, grandes temas que estão ao nosso redor.

Leitura também é prazer, diz Raul Martins, em seus destaques “Só clássicos?”. “São úteis, divertidos e valiosos em si mesmos quanto porque servem como pontes aos livros de ficção literária (livros que se importam mais com a linguagem, com vocabulário mais rico e descrições mais longas).” Ele confirma não ser contra a literatura de entretenimento, porque não é “estúpido”, mas acredita que existe literatura de entretenimento boa e outra que, de acordo com ele “não é, digamos, aquelas coisas”. A exemplo de Colleen Hoover que não sabe lidar direito com o tema da violência doméstica, pois usa técnicas dos romances comuns e sensualiza ou romantiza cenas que exijam um tratamento diferente.

Dessa maneira, a arte literária, como definido por Raul, é o uso maximamente intencional da linguagem, não sendo um exagero dizer que o escritor pensa em cada palavra usada, em cada frase, imagem e comparação. Observando, ainda, que existem critérios objetivos de análise e verdades subjetivas. Como Scott Fitzgerald dizia, a marca da inteligência é manter duas ideias opostas na cabeça ao mesmo tempo sem ceder a simplificações mentirosas. “Uma pessoa ler um livro ruim não a torna imediatamente má, e uma pessoa ler um livro bom não a torna imediatamente boa.”

Saber se um livro é melhor do que o outro depende, principalmente, da escolha de cada pessoa, uma avaliação pessoal. O professor Rogério Borges explica, “As linguagens mudam, os livros hoje precisam falar de mundos de hoje, como os livros do passado falava dos mundos deles, e isso não quer dizer que um seja melhor ou pior do que o outro. Eles são apenas diferentes, de tempos diferentes.”

Os livros nos fazem conectar com o outro, como abordado anteriormente pela psicóloga, mas às vezes isso não acontece. É o que a Ana Carolina comenta: “Claro que você vai encontrar coisas que não são boas para você. Muitas vezes eu encontro livros que sei que não são para mim.” Portanto, tudo depende da escolha e, como resultado, da experiência que cada um terá.

● Seu feedback importa! Clique no link e responda as 5 perguntas sobre o conteúdo que acabou de ler.