Por: Emanuella Messias (Monitora do Observatório de Mídia da PUC Goiás, sob supervisão do professor Rogério Borges)
Na terça-feira (16/10), às 9h, no 11° Seminário do Observatório de Mídia da PUC Goiás, dentro do X Congresso de Ciência, Tecnologia e Inovação da PUC Goiás, foi debatido o tema: “Jornalismo e Meio Ambiente: Os Desafios na Cobertura de Emergências Climáticas”. O debate contou com as convidadas Ilza Maria Girardi, professora da UFRGS, que coordena o Grupo de Pesquisa de Jornalismo Ambiental do CNPq, e Kátia Brasil, cofundadora e editora executiva da Agência Amazônia Real, que carrega prêmios nacionais no Jornalismo.
O mediador do evento online, transmitido no YouTube pelo canal da PUC Goiás, foi o professor Rogério Borges, coordenador do Observatório de Mídia da instituição, que, na abertura ao debate, trouxe a reflexão de que as duas jornalistas convidadas para o evento viveram e vivem emergências climáticas in loco. Kátia Brasil, fundadora e editora do portal Amazônia Real, que está na Amazônia e presencia a pior seca da história, e Ilza Girardi, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora do Grupo de Pesquisa de Jornalismo Ambiental do CNPq, que viveu a pior enchente do Rio Grande do Sul, ocorrida neste ano e que deixou milhares de desabrigados e mais de 100 mortos. Portanto, o Seminário trouxe a integração dessas regiões, Norte e Sul, com a região Centro-Oeste, que leva a pertinência e urgência de se debater sobre as mudanças climáticas.
Ilza Girardi explicou que sua fala foi de uma pessoa que viveu o maior desastre climático no Rio Grande do Sul. Ela contou que presenciou o drama das pessoas e dos próprios jornalistas que faziam a cobertura do acontecimento e sua relação com profissionais e alunos. “Foi um abalo emocional muito grande.” A coordenadora do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul diz que os estudos do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) anunciaram o problema do aquecimento global, assunto que antes era comentado nos anos 1980.
Ela acrescentou que no dia 26 de abril de 2024, o Instituto Nacional de Meteorologia emitiu um alerta de tempestade para a maior tragédia climática da história do Estado. Já as regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e uma parte do Sul, como o Paraná, sofreram com as queimadas criminosas que, entre outras consequências, contribuem para o aquecimento global. “Moro em Porto Alegre, cidade que foi atingida pelo desastre climático, que eclodiu no mês de maio com tempestades que atingiram 417 cidades, ou seja, cerca de 95% de todas as 479 cidades do estado. E foi uma situação inusitada, assustadora, porque as comunicações foram interrompidas, estradas destruídas”, relata.
Para recordar, Ilza abordou as coberturas jornalísticas acerca das mudanças climáticas (MCs) feitas com mais frequência a partir do ano de 1980. Os debates científicos se intensificaram e a opinião pública, especialmente nos Estados Unidos, tomou conhecimento do que seria o aquecimento global, o aspecto mais evidente das MCs. Na América do Sul, o crescimento da cobertura midiática emerge, sobretudo, com a divulgação do Informe Stern, do documentário Uma Verdade Inconveniente, do ex-vice-presidente Al Gore, e do reconhecimento dos trabalhos desenvolvidos pelo Painel Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC). Esta instituição e AI Gore receberam o prêmio Nobel da Paz em 2007.
Para a professora Ilza Girardi, mesmo diante das falhas que acontecem, involuntariamente, nas coberturas, essa mediação feita pelos meios de comunicação é de muita relevância. “Todo esse conhecimento científico publicado resulta nas pessoas tomarem ciência, ter noção do aquecimento do planeta e participar das mobilizações públicas para sensibilizar os políticos a exercer medidas e nos prepararmos para os eventos extremos.” Essa falha em coberturas jornalísticas, todavia, consiste na falta de informação do próprio jornalista. “A visão de mundo do profissional que ainda vê o desenvolvimento de uma forma muito antiga, que está acima da proteção da natureza.” Ela questiona o conceito de desenvolvimento sustentável, se é possível ter desenvolvimento o tempo todo.
Outro fator que integra o valor-notícia é o próprio risco. A professora Ilza disse que, no Jornalismo Ambiental, o risco se torna um critério de noticiabilidade porque permite tratar de futuros impactos negativos, como também a busca de soluções para minimizá-los, pois a questão climática só se torna perceptível aos sentidos humanos quando já é tarde para evitar prejuízos. Em virtude disso, a professora lista de que maneira os jornalistas podem se equipar diante dessa problemática climática.
O profissional precisa ter conhecimento do tema, porque se não conhece a situação, a forma como irá lidar será mais complicada; a importância de se ter fontes confiáveis, para que o jornalista possa recorrer e entender o que está acontecendo; ter à sua disposição equipamentos de segurança e tomar os cuidados necessários para não se colocarem em risco. Como exemplo, Ilza falou sobre as enchentes no Rio Grande do Sul, onde os jornalistas e outras pessoas, por lidarem com um cenário novo, foram contaminados pela água e contraíram leptospirose, em consequência de não terem os equipamentos apropriados.
Outro problema que os veículos de comunicação enfrentam são as redações enxutas e a dificuldade maior de filtrar as pautas e fontes que chegam em grande quantidade. Por isso as notícias iam sendo publicadas com demora, porque os jornalistas apuravam e se comprometiam com a verdade. Em muitos momentos, os jornalistas tiveram que trabalhar em função disso, ficando, consequentemente, doentes, além do impacto emocional muito forte, muito violento, segundo a professora. Para dar auxílio aos profissionais, empresas tiveram que contratar psicólogos a fim de darem suporte aos jornalistas que presenciaram cenas fortes ao realizar o seu trabalho. “Mesmo diante dos desafios, o jornalista não pode desistir de lutar”, ela pontua.
Coberturas na Amazônia
Em seguida, Kátia Brasil, com mais de 30 anos de experiência na Amazônia e criadora da Agência Amazônia Real, com sede em Manaus (AM), observou que assuntos da Amazônia e do meio ambiente eram tratados superficialmente pela grande mídia, os veículos tradicionais. As narrativas dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos costumam ser invisibilizadas e isso acontece devido o preconceito por essas pessoas.
A Agência Amazônia Real é independente, investigativa e sem fins lucrativos. Kátia Brasil diz que decidiram trabalhar desta forma, de não receber recursos públicos para não ter dinheiro de governadores, de deputados e senadores. “Porque nas mídias locais esse poder é muito forte, ele é quem dita as regras do jornalismo local”, afirma.
Ela criou, a partir de 2019, uma oficina de Jornalismo Socioambiental para qualificar as pessoas nessa tarefa de cobrir o meio ambiente na maior floresta tropical do mundo. Kátia conta que existe uma troca de saberes entre estudantes do sexto período e estudantes recém-formados. Ela percebeu a diferença de sensibilidade com a questão ambiental dos estudantes agora em 2024, ao fazer a segunda oficina, em Manaus, que contou com 30 alunos. Kátia diz que o Jornalismo Ambiental é caro, porque há uma logística de contratar barcos, aviões, fazer com que o jornalista vá a determinado lugar em segurança, mas, mesmo com essas dificuldades, a Agência Amazônia Real consegue fazer o trabalho.
“Eu sempre falo que a cobertura ambiental na Amazônia é um jornalismo além da conservação da fauna e da flora, mas que carrega vozes dos povos tradicionais, descolonizando o olhar e compartilhando as histórias invisibilizadas”, explica Kátia. As reportagens imensas e especiais reproduzem apenas um pequeno recorte do que está acontecendo, pois quem realmente cuida e protege o meio ambiente não é ouvido, não é escutado, não tem participação. ”O primeiro passo é entender que o jornalismo é de escuta, de se sensibilizar com essas vozes, porque elas detêm o conhecimento”, defende.
Kátia Brasil diz que a cobertura na Amazônia tem diversas facetas. O desmatamento, por exemplo, não é de agora, a destruição não acontece em florestas já impactadas, mas de florestas nativas, onde pessoas invadem as unidades de conservação, as terras indígenas, e esse índice não diminui. “Mesmo estando num governo democrático, do Lula, ainda não está melhorando. A meta de desmatamento zero ainda está muito longe de acontecer”, ela comenta.
Ela critica que mesmo com Embrapa no Brasil, universidades com pesquisa, a agroecologia e conhecimento tradicional, as queimadas em fazendas acontecem. O produtor, ao invés de usar outra técnica, queima a floresta para poder plantar mais. A cofundadora da Agência Amazônia Real faz uma lista de coberturas feitas no que acontece na Amazônia e em outros lugares também, como a poluição dos rios, doenças que surgem devido à infecção nas águas e até mesmo na seca e outros casos. Kátia ressalta que a saúde e a ciência estão aliadas ao Jornalismo Socioambiental, porque através dele é possível receber uma ajuda com o levantamento de dados e a pesquisa mais aprofundada que realizam, “contribuem com um outro olhar”, ela acrescenta.
As secas, assunto recorrente ao se referir à Amazônia, inclui rios que tem as suas nascentes nos países vizinhos do Brasil, como o rio Madeira, na Bolívia, o rio Negro, na Colômbia e o rio Solimões, no Peru. Kátia Brasil afirma que esses países enfrentam períodos de seca, podendo até ser mais graves do que no Brasil, mas não temos conhecimento porque “esse é um erro da imprensa de não ouvir os institutos e a população desses países”, havendo uma falha de aprimoramento e apuração da cobertura jornalística.
No Jornalismo Ambiental os fatos precisam dar nomes, mostrar onde está acontecendo o crime ambiental e fazer uma investigação independentemente do Ministério Público e da polícia. Kátia pondera e complementa que o jornalismo investigativo traz informações que impactam os órgãos, com o intuito deles fazerem o trabalho de investigação posterior e responsabilizar essas pessoas. No entanto, os jornalistas, para resguardar a sua própria vida, se silenciam, se autocensuram para sobreviver, pois as denúncias que poderiam ser feitas carregam o nome de empresas que financiam os grandes jornais.
Desafio das fake news
Chegando ao fechamento do debate, o mediador e professor da PUC Goiás, Rogério Borges, levantou a questão da tecnologia que serve tanto para o bem do exercício da profissão, porque permite a troca de ideias e relatos com as fontes, dá autonomia para as pessoas em locais mais distantes mandarem seus conteúdos, portanto, democratiza a informação, mas que, contudo, também acarretam problemas ligados à propagação de fake news. “Elas (as fake news) chegam com mais facilidade nos mais diversos meios, porque é mais fácil de ser produzida, não exige apuração e nenhum tipo de trabalho mais refinado. Enquanto a informação de qualidade fica diluída nessa infodemia (excesso de informações) em que vivemos e as pessoas não conseguem distinguir”, ponderou.
Para Ilza Girardi, o indicado seria incluir educação ambiental nas escolas, onde, desde cedo, as crianças consigam discernir o que pode ser uma fake news, além do trabalho da Polícia Federal de investigar e punir quem está causando confusão. “Existem políticos, pessoas que ocupam posições de autoridade e poder, que dizem não existir as mudanças climáticas”, indigna-se a professora.
No que diz respeito ao ensino nas escolas, Kátia Brasil esclarece que o governo instituiu a Legislação de Educação Ambiental no currículo escolar em 1999, mas ainda são poucas as escolas que abordam esse tema. Da mesma maneira ocorre com a Lei de Crimes Ambientais, na década de 1990, muito reconhecida, mas que se limita apenas à teoria e não à prática. Ela pontua, portanto, que a base fundamental do jornalismo é a apuração. Mas não é um trabalho fácil, porque exige comprometimento, exige uma busca aprofundada para não espalhar desinformação e, mesmo que seja trabalhoso, é essencial.