Por Emanuelle Mattos, Gabriela Rezende e Kézia Pimentel
Supervisão: Prof.ª Gabriella Luccianni
Em um estúdio de pilates no Jardim Goiás, Patrícia Guimarães, de 31 anos, começa a trabalhar às 6h da manhã com a mesma motivação de quando decidiu empreender há cinco anos. Como ela, milhares de mulheres em Goiânia têm transformado sonhos em negócios e contribuído de forma expressiva para a economia local. Dados do Sebrae em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG) do ano de 2024 revelam que 42% das empresas ativas no estado foram abertas por mulheres — um salto expressivo se comparado aos 23% registrados em 1983.
O movimento não é isolado. Segundo o SEBRAE, Goiás possui hoje cerca de 371 mil mulheres empreendedoras, o que representa aproximadamente 10% da população feminina do estado. E Goiânia lidera essa estatística: 29% dessas empreendedoras atuam na capital. O avanço, porém, ainda convive com desafios antigos e estruturais, como o machismo e a desigualdade de renda.
“Ter mais de 371 mil mulheres empreendendo em Goiás é reflexo da força, da coragem e da capacidade de inovação da mulher goiana. Esse número representa muito mais do que 10% da população feminina, simboliza transformação social, geração de renda e protagonismo econômico que precisa ser cada vez mais valorizado e incentivado”, disse Joel Sant’Anna, Secretário de Indústria, Comércio e Serviços de Goiás.
Apesar do crescimento, a renda média das empreendedoras goianas ainda revela a desigualdade de gênero no ambiente de negócios. De acordo com dados do SEBRAE, enquanto os homens empreendedores ganham, em média, R$ 4.135,00 por mês, a renda das mulheres é de R$ 2.516, 00, o equivalente a 60% do valor recebido por eles. O cenário revela um avanço promissor, mas também escancara os obstáculos que ainda precisam ser superados para garantir igualdade no universo do empreendedorismo.
Do cuidado à autonomia
Em um estúdio arejado no Setor Jardim Goiás, em Goiânia, a fisioterapeuta Patrícia Guimarães, de 31 anos, vive diariamente a realização do que sonhou desde a infância. Filha de comerciantes, ela cresceu observando a rotina intensa dos pais e alimentando o desejo de também ter seu próprio negócio. A oportunidade veio em 2023, após uma trajetória construída com muito esforço.

Antes de abrir seu próprio estúdio, Patrícia adquiriu experiência com trabalhos em espaços de terceiros e, posteriormente, passou a realizar sessões domiciliares. “Na época do atendimento em casa, eu conseguia atender no máximo cinco alunos por horário, somando cerca de 12 pacientes. Era uma correria”, relembra. Hoje, com seu espaço estruturado, ela recebe entre 45 e 50 alunos por semana, com a agenda lotada e o pensamento de expandir o negócio.
Patrícia conta que, por ser fisioterapeuta e mulher, nunca sofreu preconceito diretamente em sua profissão. “É uma área dominada por mulheres e meu público também é majoritariamente feminino. Isso facilita”, afirma. No entanto, o desafio de empreender sozinha pesa na rotina. “Sou a professora, a secretária, a faxineira… tudo. A parte boa é que conheço cada detalhe do meu negócio, sei de tudo, mas isso também exige muito”, avalia.

A gestão do estúdio é feita com o auxílio de um sistema digital, que organiza pagamentos, dados dos alunos, contratos e agendamentos. Ainda assim, Patrícia reconhece que a gestão financeira é uma das áreas que precisa melhorar. “Separar o que é do estúdio e o que é meu, pessoalmente, é algo que venho aprendendo com o tempo.”
Após quase dois anos de portas abertas, o estúdio já demonstra maturidade e potencial de crescimento. Com uma base fiel de clientes, Patrícia faz planos para expandir o negócio, com a ampliação do local e a compra de novos aparelhos, garantindo a continuidade de um atendimento de qualidade e a sustentabilidade do empreendimento.
A história de Patrícia exemplifica o que os dados apontam: o empreendedorismo feminino em Goiânia é movido por paixão, persistência e uma busca constante por autonomia. Mesmo diante dos desafios de conciliar múltiplas funções e de aperfeiçoar a gestão, mulheres como ela seguem firmes construindo o próprio caminho com força e propósito.
Transformando olhares no empreendedorismo
Na esquina de uma das ruas tranquilas do Setor Cristina, região Sudeste de Goiânia, a sala, com vidros escuros e luz amarela de leds, guarda o sonho de duas mulheres que se encontraram no mundo da estética.
Amanda Novoli, de 23 anos, é designer de cílios e sobrancelhas, além de estudante de Biomedicina, professora, esposa, filha e irmã. Mas ela nem sempre exerceu todos esses papeis. Com um sorriso tímido, ela conta que a incerteza sobre o futuro tomou conta da então adolescente de 17 anos que acabava de terminar o Ensino Médio. Sem saber qual curso escolher, resolveu mergulhar no mundo da beleza. Começou como maquiadora.
As amigas, agora clientes, sentavam-se numa cadeira dentro do quarto de Amanda, esperando que a jovem empreendedora renovasse a autoestima delas com base, pó e batom. Porém, ainda no início de sua carreira, Amanda teve de se reinventar. A pandemia da Covid-19 fez com que os eventos diminuíssem cada vez mais, acabando com a procura por maquiagens. Com medo de perder a liberdade financeira, ela ingressou no universo dos cílios “[…] e acabou que, com o tempo, eu fui me encontrando mais no mercado de cílios do que no da maquiagem”, diz.
Amanda fez um curso na área e começou a atender numa sala bem pequena, onde cabia apenas ela, a cliente e a maca. De dentro daquela salinha, começaram a sair os primeiros “fio a fio”, “volume brasileiro” e outros modelos de extensão, além, é claro, de muitas sobrancelhas alinhadas, procedimento em que viu mais uma oportunidade: “é um combo, toda cliente que deita na sua maca, se estiver com a sobrancelha sem fazer, na hora de olhar no espelho, sempre vai reparar e dizer ‘ah, tem uns pelinhos aqui, podia ter feito a sobrancelha’, então foi uma maneira de aumentar o catálogo do meu estúdio e oferecer um serviço a mais para as minhas clientes”, conta.
A ideia deu tão certo que, mesmo consolidada no mercado dos cílios, até hoje existem mulheres que só vão até o estúdio para fazerem as sobrancelhas com ela. Logo, a sala já não comportava mais as demandas da empresa em formação, e a jovem empresária migrou para um local maior, com o objetivo de proporcionar mais conforto para quem deitasse em sua maca.
Após seis meses na área, além de designer, Amanda se tornou professora. Começou a ministrar cursos e ensinar outras mulheres a fazer o que ela fazia. Aos risos, relembra a época: “tinha muita procura e pouca profissional […], minha primeira aluna foi uma cliente, ela me pediu para ensiná-la e eu estava insegura, então corri, fiz um curso, e no outro dia já dei o curso pra ela. Fui atrás de uma outra profissional pra me dizer se eu estava pronta, ela disse que sim, aí eu meti as caras!”. Além de uma nova função, Amanda se emociona ao lembrar que os cursos são uma forma de “abrir as portas” para outras mulheres, portas que, um dia, foram abertas a ela. Ter o reconhecimento de que pôde fazer a diferença na vida de outra pessoa é a parte que Amanda mais gosta da vida de professora.
As demandas de clientes e alunas só cresceram com o passar dos anos. Agora, a estudante de Biomedicina – curso que escolheu devido a nova profissão – estava construindo não apenas uma marca, mas sim um legado. Dividiu espaço com várias outras profissionais no estúdio e até hoje dá oportunidade para outras jovens extensionistas começarem a atuar ao lado dela, tudo supervisionado, claro, para seguir o “padrão Novoli de qualidade”.
A popularidade dos cílios aumentou, e, consequentemente, a área que carecia de mão de obra, começou a encher. A empresária se viu em um dos momentos mais difíceis para o microempreendedor: a hora de inovar. Começou a pensar no que poderia fazer para voltar a se destacar no ramo e aí surgiu a ideia de trabalhar com os chamados “cílios gringos”. “Eu sempre gostei de cílios diferentes. Já tentei fazer com glitter, coloridos…então os cílios gringos foram uma oportunidade que eu vi de me destacar em um mercado saturado”, relata. As novas técnicas ganharam a atenção do público, agora, “Foxy eyes”, “Efeito Molhado”, “Sirena” e “Mangá” se tornaram mais procurados que “Volume brasileiro” e “Fio a Fio”. Assim como quando começou na área, não demorou muito para que ela passasse a ministrar cursos de técnicas gringas.
O destaque do Novoli Studio quebrou fronteiras. Através da internet, Amanda conseguiu ganhar alunas de outros estados e até mesmo de fora do país. Isso é motivo de orgulho para a jovem, que conta, emocionada, como foi difícil crescer na maior vitrine do mundo moderno – as redes sociais. “É um trabalho de constância. Não foi um boom que veio do nada, eu estava todos os dias postando. Como eu falo pras minhas alunas: esteja presente todos os dias, pode demorar, mas uma hora o algoritmo te entende”. E entendeu mesmo. Hoje, Amanda soma mais de 76 mil seguidores nas redes sociais. Os vídeos que começam com um “Oi, oi, amigas! Meu nome é Amanda Novoli e tenho um estúdio de cílios em Goiânia”, variam os temas, têm humor, dicas, experiências pessoais, renda, rotina e muita criatividade envolvida.
Amanda Novoli não se afogou ao mergulhar no desconhecido, mas descobriu um oceano de possibilidades. Ser uma mulher que cuida de outras mulheres a transformou por completo. Ela se descobriu e redescobriu muitas vezes, em várias versões. Aos 23 anos, já conquistou incontáveis sonhos através da estética e beleza e diz que não se vê fazendo outra coisa que não seja voltada para o público feminino. “Eu sou extremamente suspeita para falar [sobre a área da estética], acho que ninguém perde por entrar nela”, comenta.
A incerteza, o medo e a vontade de crescer fizeram Amanda construir um mundo cheio de realizações, conforto e reconhecimento. Enquanto Amanda realça o olhar e o design das sobrancelhas, Muryelle Rodrigues complementa essa transformação no mesmo local, elevando a autoestima das mulheres através da arte e do cuidado com as unhas.
Empreendedorismo que floresce nas pontas dos dedos
Aos 31 anos, Muryelle Rodrigues não é apenas uma nail designer talentosa; ela é a personificação da resiliência, da paixão e da capacidade de se reinventar. Sua trajetória é um testemunho de como a dedicação, a arte e o apoio mútuo entre mulheres podem construir um império de beleza e inspiração.
“Quando eu comecei a fazer curso nessa área eu tinha entre 25 e 26 anos”, conta Muryelle. Naquela época, ela desfrutava da segurança de um emprego CLT, enquanto seu marido já trilhava o caminho do empreendedorismo. Foi ele, seu “maior e único investidor”, quem a incentivou a enxergar um novo horizonte. “Eu não escolhi o ramo das unhas, eu fui escolhida”, afirma. A familiaridade com esse universo vinha de longa data, desde que fazia as suas próprias unhas e as de sua mãe, que também atuava no ramo de cabelo e unhas.
A ideia de se dedicar profissionalmente à arte das unhas, no entanto, surgiu do marido. “Por que você não sai do CLT e trabalha com isso?”, ele sugeriu. A princípio, a ideia soou distante. “Mas eu pensei, mas eu vou viver disso? De unha?”, questionou-se. No entanto, o “não estou fazendo nada” a impulsionou a dar o primeiro passo: fez o curso e se encontrou. “Mudou totalmente minha vida”, celebra, com a certeza de ter descoberto sua verdadeira vocação.
Após o curso, a dedicação de Muryelle foi incansável. “Eu saí do curso e fui treinando, eu comecei a fazer unhas naturais como extra, até eu ficar boa nos alongamentos de unha”, explica. O início foi humilde, mas cheio de esperança. “A gente morava em uma casa muito pequena, uma lavanderia e uma garagem, eu atendia na lavanderia com duas cadeiras e era bem simples, bem simples mesmo, eu atendi assim por 3 meses.”
A persistência de Muryelle foi recompensada. Em seguida, seu esposo abriu uma loja de celular e, com visão e apoio, “dentro da sala dele ele fez um puxadinho pra eu atender, e eu atendi lá por quase dois anos.” Essa etapa marcou a consolidação de seu trabalho e o reconhecimento de suas habilidades.
Há aproximadamente três anos, Muryelle deu um passo gigantesco em sua carreira: começou a ministrar cursos. “Desde que eu saí da sala do meu esposo vim pra cá, onde eu atuo atualmente, e assim, foi um passo muito importante da minha carreira”, conta. A experiência de repassar seu conhecimento para outras pessoas é algo profundamente gratificante, pois “você cria um vínculo e adquire novas experiências”.
A certeza de que estava pronta para ensinar veio da própria evolução de seu trabalho. “Tive certeza que estava pronta pra dar o curso assim que vi a evolução das minhas unhas, quando me senti segura pra passar autoridade para minha cliente”, afirma. Essa segurança foi construída com muito esforço: “Eu treinava bastante em mim mesma, em modelos gratuitas e isso me ajudou com a autoridade.”
A jornada de Muryelle também é marcada por uma parceria inspiradora com Amanda, uma união que exemplifica a força do empreendedorismo feminino. “Minha parceria com a Amanda começou quando meu esposo abriu a loja dele, que ele aluga do pai da Amanda”, narra Muryelle. A conexão se aprofundou quando Muryelle foi trabalhar no espaço ao lado da loja do marido. “A Amanda atendia no quarto dela e ela era muito jovem, eu pensava ‘que menina top’, ela não precisa disso, mas mesmo assim tá fazendo”, relembra.
Muryelle destaca um ponto crucial sobre o julgamento enfrentado pelas empreendedoras. “Nesse meio as pessoas te julgam pela aparência, pela aparência do seu espaço. Ela (Amanda) era julgada por ser jovem e eu era julgada por não ser jovem.” Apesar das diferenças, a proximidade gerou uma amizade genuína. “A gente começou a conversar e a trocar serviço e fomos divulgando uma à outra no Instagram e aí a amizade nasceu”, explica.
Após um período em que cada uma seguiu em seu próprio espaço, a decisão de unir forças se mostrou a mais acertada. “Ela trocou de estúdio e eu não, e depois de um tempo nós decidimos nos unir, e foi a melhor coisa que a gente fez”, comemora. Muryelle acredita firmemente que “se você está no lugar certo, você faz as coisas certas.”
Mesmo com o sucesso, Muryelle enfrentou momentos de desânimo. “Eu nunca tive dificuldade financeira, mas teve um momento da vida em que eu não queria mais fazer unha”, confessa. As adversidades do dia a dia, como clientes que “maltratam” ou desmarcam, afetaram-na profundamente. “Tudo começa a dar errado, às vezes a cliente te maltrata, ela desmarca e você fica contando com aquele dinheiro. Acho que por me expor muito ao trabalho acabei falhando psicologicamente”, desabafa, mostrando a vulnerabilidade por trás do brilho do empreendedorismo.
Contudo, a paixão prevalece. “Eu acho maravilhoso quando o estúdio está cheio, você vê prosperidade”, diz com entusiasmo. Muryelle também reflete sobre a qualidade de vida do empreendedor: “A qualidade de vida é muito boa, mesmo que você trabalhe mais, não o corpo, mas a mente do empreendedor sempre trabalha mais.”
A doçura do empreendedorismo que transforma vidas
A cozinha de Josy Barbosa, 32, não é apenas um lugar onde doces são feitos; é um laboratório de sonhos, um refúgio de paixão e um ponto de partida para a independência. À frente da Josy Encantos Doceria, ela personifica a força e a sensibilidade do empreendedorismo feminino, transformando cada bolo e brigadeiro em uma história de superação e afeto. Sua jornada, como a de muitas mulheres, começou com um desafio – a busca por uma renda e a necessidade de se reinventar. O que nasceu de uma necessidade floresceu em um ateliê de doçuras que encantam paladares e, mais importante, inspiram corações.
Desde cedo, a veia empreendedora de Josy Barbosa pulsava forte. Ainda criança, ela já recolhia latinhas na rua para conquistar sua própria autonomia financeira. Essa inquietude a levou, mais tarde, a um emprego formal, mas o desejo de ir além a impulsionou a investir suas economias em bijuterias, marcando sua estreia no vibrante cenário das feiras. O que começou pequeno, com o tempo, expandiu-se para uma variedade de produtos, incluindo brinquedos e acessórios para telefone, transformando sua banca em um verdadeiro mini-império de variedades.
No entanto, a roda da fortuna girou e o movimento da feira começou a diminuir, colocando Josy diante de um dilema: aceitar o lucro mínimo ou buscar uma renovação. Foi então que uma nova oportunidade surgiu, vinda de suas irmãs, que trabalhavam formalmente e vendiam bombons nas horas vagas. “Um certo dia elas falaram pra eu colocar na feira, por causa do movimento”, recorda Josy. Quando elas deixaram o emprego, Josy, precisando de um dinheiro extra, viu ali a chance de preencher a lacuna e assumiu a venda dos bombons na feira.
O destino, porém, tinha outros planos. Certo dia, os colegas de feira que vendiam tortas doces decidiram deixar seus postos. A ausência de tortas e a presença dos saborosos bombons de Josy criaram uma demanda inesperada. As pessoas começaram a procurá-la, ansiosas por mais opções doces. “Eu não sabia assar um bolo, mas algo me dizia que eu devia acatar a oportunidade”, revela Josy. Diante de tantos pedidos, ela ponderou: “Por que não?” Esse questionamento marcou o início de uma nova e deliciosa fase em sua jornada empreendedora.
A primeira torta de Josy foi um triunfo, acendendo uma nova chama de oportunidade em sua vida. Com o empurrão inicial do sucesso e o apoio valioso de seu cunhado confeiteiro, Josy viu seu novo caminho se desenhar. Impulsionada pela ascensão na feira, ela começou a receber inúmeras encomendas de bolos. A demanda era tamanha que a levou a uma decisão: deixar a feira para trás e montar seu ateliê em casa, contando com o apoio fundamental do marido. “Eu não queria loja, tinha pra mim que a melhor opção era viver do bolo e dos doces”, relembra Josy, revelando sua visão clara de um negócio acolhedor e familiar.
O bolo de pote surgiu como seu primeiro grande sucesso, uma resposta direta ao desejo dos clientes por porções menores para o consumo diário, inspirados nos grandes bolos que já faziam a fama da Josy. A procura foi tão grande que as pessoas começaram a ir diretamente à sua casa. “As pessoas começavam a vir até a porta da minha casa procurando por doces, eu deixava o portão aberto e as pessoas entravam, aqui em um setor que era improvável, porque aqui era bem esquisito, bem abandonado”, conta Josy, descrevendo a surpresa e o potencial que percebeu. Foi nesse movimento inusitado, em um local que parecia improvável, que nasceu a visão de unir o conforto do lar com a doçura da confeitaria, dando origem ao que seria a Josy Encantos Doceria.
O maior desafio enfrentado por Josy em sua jornada empreendedora foi o desapego da produção e a necessidade de delegar. “Eu sempre fui uma pessoa difícil. Acabou que o empreendedorismo mudou a minha vida por completo, aprender a crescer dói e meu maior problema sempre foi ter que entender que eu tinha que lidar melhor com as pessoas”, confessa Josy. A gestão, em especial a parte administrativa, era um calcanhar de Aquiles. Embora não fosse fã dos estudos, ela se viu numa encruzilhada quando o sucesso da doceria exigiu uma administração mais robusta.
A solução veio com um curso online do Sebrae, que, segundo ela, “abriu a mente”. Josy, que vinha de uma família humilde e tinha o hábito de gastar o que ganhava imediatamente, reprogramou sua mentalidade financeira. ”Sempre que eu recebia, logo em seguida eu gastava, mas, com o curso, isso mudou. Fui de uma pessoa que era super difícil na adolescência para uma mulher que é exemplo na minha família hoje”, relata, orgulhosa de sua transformação.
Curiosamente, Josy nunca fez um curso formal de confeitaria. “Eu sofri muito bullying na escola, mas a confeitaria foi a minha cura”, revela, indicando que a arte de fazer doces foi um refúgio e uma forma de superação. Apesar de hoje ministrar cursos, sua maestria foi desenvolvida de forma autodidata: horas assistindo vídeos no YouTube e testando receitas incansavelmente até atingir a perfeição que buscava. Ela atribui cada passo e cada conquista à providência divina, vendo sua trajetória como uma verdadeira benção.
“Pra você ter sucesso, você tem que amar o que faz”. Para Josy, seus doces são mais do que simples iguarias; são manifestações de carinho. Cada encomenda é tratada com a mesma dedicação de um presente especial, pois ela entende que, por trás de cada pedido, há uma celebração, um momento único na vida de alguém. Essa atenção aos detalhes e o amor genuíno pelo que faz são os ingredientes secretos que tornam a Josy Encantos Doceria um negócio de sucesso. Ela se vê como uma provedora de felicidade, não apenas através do sabor, mas também da experiência que proporciona.
A paixão de Josy vai além da confeitaria. Ela é uma incentivadora nata, uma mentora informal para outras mulheres que sonham em ter seu próprio negócio. Em suas conversas, ela compartilha os desafios e as alegrias de empreender, mostrando que é possível, sim, construir algo grandioso com dedicação e propósito. Seu ateliê se tornou um ponto de encontro de ideias, um espaço onde a sororidade é cultivada a cada troca de experiências. Josy não apenas vende doces; ela vende inspiração, a crença de que toda mulher tem o poder de transformar seus sonhos em uma realidade doce e próspera. Ela é a prova viva de que a doçura pode, sim, mudar o mundo, uma fatia de bolo por vez.
Entre cachos, fios e sonhos
Ao som de secadores, chapinhas, difusores, boas histórias e uma risada inconfundível, Fabiane Queiroz – a Bia – recebe suas clientes para mais um dia de beleza no salão. A goiana de 42 anos é proprietária do Maju Studio e da Tricô Chique, sua nova loja de roupas. As duas empresas ficam no mesmo prédio, numa avenida movimentada do setor Santa Rita, em Goiânia. No salão, estão os manequins com as roupas de tricô, e, na loja, mulheres perguntam o que podem fazer para ficar com o cabelo tão lindo quanto o da moça que saiu. Assim, os “filhos” de Bia seguem juntos e ela consegue cuidar dos dois igualmente.
Quem passa pela entrada do Maju, movimentado em todos os procedimentos que oferece, pensa que a mente por trás do sucesso já nasceu desembaraçando cabelos e finalizando cachos, mas nem sempre foi assim, Fabiane teve que se reinventar muito nessa vida. Começou a trabalhar muito cedo, aos 16 anos, como professora de inglês e espanhol em várias escolas.
O gosto por ensinar idiomas levou a jovem estudante a cursar Letras Português e Inglês, área em que trabalhou por muito tempo. Enquanto era professora, o destino se encubiu de cruzar o caminho dela com o de outra pessoa. Wagner Cândido, um moreno de sorriso bonito, que conquistou o coração de Bia. Os dois namoraram, casaram e tiveram uma filha – Ana Júlia. Mas a estrada de Wagner estava prestes a mudar. Ele foi convidado para cuidar de um dos restaurantes da empresa em que trabalhava, inaugurado em Belém, no norte do país, e, como agora já não andava mais sozinho, suas meninas o acompanharam.
Em Belém, Bia cuidou do restaurante ao lado de seu marido com maestria, além disso, abriu também uma loja de roupas. Ainda no Pará, o amor se multiplicou, e Ana Júlia ganhou companhia, a irmã Maria Luiza. Os tempos trouxeram a família de volta a Goiânia e a antiga professora se tornou gerente de logística da mesma empresa que seu marido trabalhava, cargo que ocupou por muitos anos.
Mesmo bem sucedida na área da logística, Fabiane diz que algo falava mais alto no coração: o desejo de um lugar só dela. Junto dessa vontade, ela enfrentou um momento muito difícil, a depressão. “Eu fiquei doente. Estava em burnout mesmo. Nada me satisfazia mais profissionalmente, eu queria algo mais”, ressalta. Além disso, a família teve um papel importante na futura decisão, pois, com a carga horária, o tempo com as filhas era escasso. Então, num misto de medo e coragem, abandonou a carreira corporativa e decidiu embarcar no ramo da beleza.
Bia conta que o desejo de abrir um salão surgiu da convivência com outras mulheres, que se queixavam de não ter um local que atendesse 100% as necessidades do cabelo de cada uma. Mas, antes de pegar qualquer chave de galpão, ela começou a estudar, e isso é algo que a empresária destaca como fundamental em qualquer área. Além dos cuidados básicos sobre salão e beleza, Fabiane fez cursos de terapia capilar, cosmetologia, tricologia e se especializou numa área que tem tudo a ver com sua personalidade: cachos.
O amor pelas curvaturas veio de uma necessidade pessoal, porque ela tem o cabelo cacheado e nunca encontrava lugares que tratava as madeixas como elas deveriam ser. Para além da experiência pessoal, Bia diz que uma situação de preconceito com sua filha a estimulou a começar uma parte muito importante de sua vida: a transição capilar. “Eu tenho uma filha que tem o cabelo mais liso e, a outra, é bem cacheadinha. Um dia, eu estava em um lugar onde uma pessoa disse: “nossa, uma de cabelo bom e uma de cabelo ruim”, e aquilo me magoou demais. Eu falei ‘não tem ninguém de cabelo ruim aqui’”.
Na época, Bia usava progressiva no cabelo. “Pensei: ‘poxa, se eu estou falando que o cabelo da minha filha não é ruim, por que eu estou alisando?’, e então eu decidi que ia fazer transição”. O estudo dos cachos veio de uma dor individual e ao mesmo tempo coletiva, pois diariamente ouvimos milhares de histórias sobre a autoestima de mulheres que não seguem minimamente o padrão do cabelo liso.
Além dos procedimentos capilares, o Maju conta com mulheres que ajudam a embelezar outras mulheres em vários âmbitos. Maquiagem, unhas, extensão de cílios, cuidados com a pele e massagem são alguns deles. Nesses cinco anos de estrada, Bia já vivenciou muitas histórias. “Como cuido de cacheadas, eu pego muitos casos de mulheres com cabelo crespo, que estão tristes, com a autoestima lá embaixo. Recentemente eu recebi uma cliente que o cabelo já não cacheava mais, então eu tratei, devolvi os cachos pra ela, ela foi embora feliz dizendo que agora se sente bonita”.
Outra vez, recebeu uma criança de cabelo crespo que sofria bullying na escola, e, ao tratar no salão, conheceu a beleza e a força do cabelo. A menina foi pra escola e recebeu seu primeiro elogio, na outra semana, foi correndo contar para Fabiane o que tinha acontecido e ali ela entendeu o seu propósito.
Agora, a profissional se aventura em um mundo diferente, mas não tão desconhecido: a loja de peças de tricô. A “alma de empreendedora”, como ela mesmo diz, bateu mais forte e não a deixou ficar parada. Resolveu investir no ramo após muito estudo sobre a área. “Tricô é atemporal, e como eu não tinha muito investimento, eu tive que pensar ‘o que eu posso fazer que me exige pouco investimento e tá dando super certo?’”. E foi daí que surgiu a “Tricô Chique”. Bia viu uma chance de expandir os horizontes, principalmente pela possibilidade de trabalhar com as vendas on-line, sua principal fonte de clientes. “E tem dado certo!”, exclama feliz.

Algumas começam aos 18, como Amanda, outras se descobrem aos 20 e poucos anos, como Patrícia, e existem aquelas que precisam recalcular a rota mesmo depois dos 30, como é o caso de Bia. Mas o desejo de liberdade, reinvenção e transformação impulsionam qualquer mulher que esteja disposta a pagar o preço do empreendedorismo. Essas histórias são reflexo da tranquilidade, amor e carinho que uma mulher sente quando é cuidada por outra.
Para você que sonha em começar
Oportunidades com apoio do SEBRAE
Em um cenário onde a paixão e a persistência transformam sonhos em negócios, o empreendedorismo feminino em Goiás tem vivido uma verdadeira revolução. De acordo com a gestora do Sebrae Delas, Vera Lúcia Elias, o número de mulheres empreendedoras praticamente dobrou de 2019 até 2024. “Em 2019, havia cerca de 140 mil negócios liderados por mulheres, e em março de 2024, esse número chegou a aproximadamente 369 mil.” Esse é um dado que significa muito quando pensamos na participação da mulher na economia como líder, lugar onde geralmente é dominado pelos homens.
Vera ainda aponta os diversos desafios enfrentados pelas mulheres empreendedoras, incluindo acesso limitado a crédito, com taxas de juros e inadimplência mais elevadas do que para homens. Além disso, as mulheres ganham em média 22% menos que os homens, apesar de terem maior escolaridade.
Para apoiar essas mulheres o SEBRAE desenvolveu o programa ‘SEBRAE Delas’ em 2018, estruturado em três pilares: desenvolvimento de competências socioemocionais, soluções específicas para negócios, e fortalecimento do ecossistema empreendedor feminino. O programa já atendeu mais de 1.500 mulheres em um evento realizado em 29 de maio.
O programa “SEBRAE Delas” é mais um exemplo de que quando produtos ou serviços são pensados de mulheres para mulheres, o resultado é um grande avanço em todas as áreas do país. Nesse contexto, Vera deixa um recado para aquelas que ainda não foram alcançadas. “Para aquela mulher que, às vezes, está se sentindo meio perdida, não tem ainda o que fazer, precisa encontrar uma razão, venha empreender e conte com o Sebrae. Muitas precisam desse empurrãozinho, dessa coragem, e é com isso que o Sebrae se preocupa.”
Vera ressalta a importância do Prêmio Sebrae Mulher de Negócio, iniciativa destinada a reconhecer histórias inspiradoras de mulheres que estão empreendendo “justamente para dar esse toque de coragem para aquela mulher que, às vezes, não está, mas quer saber, quer olhar como está acontecendo com a trajetória de algumas para saber onde ela pode pisar”, explica.