O índice de desmatamento do Cerrado goiano caiu 18% no período de 2022 a 2023. A informação é do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a partir de um estudo divulgado no portal TerraBrasilis. O dado animador não retrata o panorama de degradação dos anos anteriores.
Em um período de seis anos, de 2018 a 2023, grande parte dos municípios goianos perderam uma parcela significativa de mata nativa. A média de área desmatada é de 4,76 km², o que equivale a 666 campos de futebol por cidade. Dentre esses municípios, alguns chamam atenção pela gigantesca área de mata nativa retirada; já outros, pela quantidade de Cerrado desmatado em relação ao seu próprio tamanho.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na última quarta-feira (12/6), durante o programa Bom Dia, Ministra, transmitido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), destacou a necessidade de combate ao desmatamento da Amazônia e dos demais biomas, sobretudo o Cerrado, sob pena de o País matar “a galinha dos ovos de ouro”. Segundo ela, destruir biomas como Pantanal, Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pampas equivale a destruir também a capacidade de produção do país.
A ministra convocou a sociedade e os setores produtivos para integrar a construção de uma nova ordem econômica e ambiental. Marina afirmou que o Brasil pode, inclusive, triplicar a capacidade produção agrícola “sem derrubar uma árvore”.
Municípios goianos e desmatamento
No topo da lista de cidades com o maior desmatamento total nos últimos seis anos, de acordo com dados disponibilizados pelo Inpe, IBGE e TerraBrasilis, está Niquelândia, município goiano mais extenso em área territorial (9.846,293km²). A dimensão da cidade reflete também uma ampla densidade de vegetação, o que contribui para o processo de ocupação predatória. Entre 2018 e 2023, uma área de 319,47 km2 da flora do município foi destituída.
A segunda posição da lista referente ao desmatamento total no sexênio é de Flores de Goiás, situada no leste do Estado. O município se destaca pela porcentagem de território desflorestado. Dados disponibilizados pelo IBGE, relativos ao ano de 2022, definem a extensão da cidade em 3.695,106 km², dos quais 220,85 km2 foram perdidos. Caiapônia, município localizado na mesorregião Sul de Goiás, aparece em terceiro lugar na lista.
Na sequência, Crixás, cidade do Noroeste goiano, ocupa a quarta posição da escala (149,5 km²), seguida por Cristalina, situada no Leste de Goiás, em quinto lugar (142,96 km²). Três municípios da mesorregião Norte, sendo eles São João d’Aliança (128,46 km²), Formosa (120,53 km²), e Minaçu (105,74 km²) preenchem, respectivamente, a sexta, sétima e oitava posição na ordenação de cidades goianas que mais desmataram no intervalo entre 2018 e 2023.
Quando se trata da maior porcentagem de território desmatada no período observado, a cidade de Simolândia lidera o ranking com a marca de 7,51%, seguida dos municípios de Alvorada do Norte (6,32%); Damianópolis (6,09%); Flores de Goiás (5,98%) e Sítio d’Abadia (5,53%). Os municípios estão localizados no leste goiano.
A Secretaria do Meio Ambiente de Sítio D’Abadia foi instituída no ano de 2023, e o atual secretário, Kesser Vieira Reis, foi o primeiro a assumir o cargo. Ele aponta que a principal causa da degradação é a atratividade de terras baratas e o agronegócio.
“O histórico desses desmatamentos ocorreu no período em que a soja estava com preços nas alturas. Sítio D’Abadia, com os preços de terras baratas, levando em conta as outras regiões, com altitude propicia, bem servido de água, terras planas, se tornou a bola da vez”, enfatiza Kesser.
O plano desenvolvido no município para atenuar o desmatamento está baseado na orientação e fiscalização dos proprietários de terras. “Esta Secretaria está orientando os proprietários da importância da preservação ambiental bem como sobre as penalidades civis e criminais, notificando e conseguindo resultados importantes, a exemplo do maior Prad (Plano de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas) de recuperação de erosões de toda região”, afirma Kesser.
A Secretária do Meio Ambiente de Alvorada do Norte, Elizabete Ribeiro de Oliveira, informou que não existe um estudo sobre as possíveis causas do desmatamento na cidade. “Acreditamos que o Nordeste goiano, por ter um subdesenvolvimento durante anos e agora a descoberta de terras baratas, está havendo uma corrida em busca dessas áreas”, reforça ela.
Alvorada do Norte possui programas de combate ao desmatamento, como o Educando com o Meio Ambiente, que apresenta relatórios anuais com critérios de educação ambiental e de redução do desmatamento, objetivando ações para preservação do meio ambiente. A fiscalização de desmatamentos ocorre por meio de denúncias e fiscalização, que, segundo a secretária, “todos os trabalhos são registrados, mas não um relatório específico” sobre o quantitativo.
A Lei municipal n.º 317/2008 designa à Secretaria do Meio Ambiente a responsabilidade de determinar a recuperação ambiental e o reflorestamento de áreas degradadas. Elizabete destaca que tal recuperação e reflorestamento ocorrem por meio de ações multidisciplinares, incluindo monitoramento e fiscalização, plantio, doações de mudas, educação ambiental e parcerias estratégicas com as escolas e comunidades, além de exigência de Prad em áreas degradadas.
O Portal impressões também entrou em contato com os municípios de Simolândia, Damianópolis, Flores de Goiás sem obter respostas até a data de publicação.
A média geral de desmatamento de todos os municípios do estado é de 4,76 km2.
Conforme a geógrafa e coordenadora do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), do Instituto de Estudos Socioambientais, da Universidade Federal de Goiás (UFG), Elaine Silva, a falta de conhecimento de um secretário do meio ambiente acerca dos indicadores do desmatamento indica o desinteresse por este tipo de informação.
A coordenadora faz parte do MapBiomas, uma rede colaborativa que surgiu com o intuito de mapear a cobertura das terras no Brasil, assim como o uso dos seus recursos. O monitoramento permite traçar as características das vegetações que compõem o território nacional. Elaine aponta o agronegócio como o principal fator de causa do desmatamento no cerrado.
“O bioma Cerrado é tido como um dos mais ameaçados do Brasil, devido à sua posição central e também devido à sua geografia, seu relevo predominantemente plano, o que facilita ali a mecanização”, esclarece a professora.
Além dos impactos do agronegócio, as queimadas são uma das causas mais evidentes na perda de mata nativa. “Nós temos uma demanda mundial por alimentos e por grãos que são mais cultivados no cerrado e essa expansão não respeita a preservação”, pontua a geógrafa.
Combate ao desmatamento
No combate ao desmatamento, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás atua na linha de frente, por meio da Brigada de Incêndio Florestal, grupo organizado que treina frequentemente, visando à capacitação dos profissionais para prevenção dos incêndios. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também possuem brigadas que operam no período de estiagem em parceria com bombeiros qualificados.
De acordo com o coronel Pablo Frazão, subcomandante do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás, os meses mais críticos do ano em ocorrências de incêndios são agosto, setembro e outubro, por consequência da temperatura elevada e da baixa umidade no ar.
“As altas temperaturas, associadas com uma baixa umidade do ar, são fatores que contribuem e muito para a propagação de um incêndio, que pode fazer com que áreas maiores do cerrado sejam atingidas devido à intensidade com que o fogo avança. As alterações climáticas que estamos sofrendo nos últimos tempos com certeza podem favorecer a propagação de um incêndio, mas vale destacar que são fatores que favorecem, mas não causam. Infelizmente, a causa se deve em grande parte pela ação humana”, explica Frazão.
Segundo o subcomandante, quando os incêndios atingem locais de difícil acesso, os bombeiros precisam se deslocar quilômetros de distância a pé, carregando diversos equipamentos. Além disso, lidam com o calor das chamas, a intensidade do fogo e dos ventos. Frazão enfatiza que, às vezes, a extensão queimada é grande e os profissionais precisam de muitas horas ou até dias para apaziguar a situação.
“O Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás desenvolve todo ano a Operação Cerrado Vivo, que é a maior operação da corporação, tendo em vista que inicia em fevereiro (ação preventiva) e termina em novembro (quando começam as chuvas). Dentro desta operação, estão contempladas as ações de prevenção e combate, o planejamento setorial que envolve os comandos regionais, a aquisição de materiais e equipamentos, a criação de postos avançados em regiões mais afastadas que possuem unidades de conservação, entre outros”, ressaltou Frazão.
A comunidade local também pode ajudar a diminuir as queimadas, conforme orienta Frazão. “O lixo não deve ser queimado, terrenos vagos e lotes baldios devem ser roçados e os restos de vegetação devem ser acondicionados para que o órgão responsável faça o recolhimento deste material. Ao trafegar pelas rodovias, não se deve jogar bitucas de cigarro pela janela dos veículos para evitar incêndios, já que o fogo pode evoluir e atingir áreas de pastagens, lavouras, etc”, frisa, destacando que a comunidade pode denunciar os casos à autoridade ambiental competente.
O desflorestamento, associado a qualquer uma ação causadora, tem consequências que impactam o ecossistema em diferentes níveis. A dizimação da flora configura uma problemática por si só, já que provoca o desequilíbrio da fauna, uma vez que diversas espécies de animais perdem seu habitat.
“A ação do desmatamento traz vários impactos ali no solo, na regulação do clima e da chuva. Em relação a fauna e flora, os efeitos são imediatos, porque, se você desmata, você já está, consequentemente, perdendo a flora; e a fauna que sobrevive ali perde sua casa e sua provisão de alimentos”, reforça a professora Elaine.
Os recursos hídricos também são afetados pela degradação das florestas. Os processos de desmatamento resultam em erosões que atingem as bacias hidrográficas, ocasionando prejuízos na quantidade e na qualidade da água, como elucida a coordenadora do Lapig, ao garantir que há “uma correlação de aumento da produção de commodities, dizimação da vegetação e impacto dos recursos hídricos”, o que afeta as bacias hidrográficas.
As consequências críticas da destruição da vegetação nativa do cerrado denotam a óbvia necessidade de uma fiscalização mais rígida. De acordo com Elaine Silva, a falta de atenção do governo, evidenciada pela ausência de fiscalização apropriada, é um agravante para a problemática, pois as áreas se tornam suscetíveis ao estabelecimento de desmatamentos ilegais.
A Secretaria de Estado e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) do Estado de Goiás tem intensificado as ações de fiscalização do desmatamento nos últimos anos. Em 2023, o órgão realizou um concurso público para construir um corpo de fiscais que realiza vigilância em campo, além de gerenciar um sistema de monitoramento via imagens de satélites.
Elaine Silva relatou que a legislação atual permite a devastação de até 80% do Cerrado, resultando na preservação de apenas 20% da vegetação nativa. De acordo com ela, as leis foram feitas no passado, quando não se tinha uma percepção clara da importância da biodiversidade de fauna e de flora.
“A legislação não reflete a necessidade urgente de proteger a rica biodiversidade do Cerrado, crucial para o equilíbrio ecológico e a estabilidade climática”, ressalta Elaine, pontuando que o aumento da fiscalização é essencial para garantir a preservação.
A atualização da legislação é uma tarefa complexa devido aos interesses econômicos e políticos envolvidos. No entanto, é crucial que o estado, o município e o governo federal trabalhem juntos para isso. Medidas como o ICMS ecológico, que oferece incentivos fiscais aos estados que adotam práticas de conservação, são cruciais. Além disso, aumentar a fiscalização é vital para garantir que as leis sejam cumpridas e para coibir o desmatamento ilegal.
De acordo com Elaine, uma articulação conjunta é necessária para incentivar os proprietários de áreas com vegetação a não desmatarem.
“As pessoas precisam se conscientizar de que nossas ações impactam sim o meio ambiente e que elas aceleram processos que poderiam acontecer em longo prazo”, finalizou a coordenadora do Lapig/UFG.
A conscientização ambiental deve alcançar todas as esferas da sociedade. A educação ambiental, promovendo estilos de vida sustentáveis, pode acelerar a adoção de práticas sustentáveis em curto e médio prazo, contribuindo para a preservação do Cerrado.
EQUIPE DE PRODUÇÃO JORNALÍSTICA:
Edição final: Clarice Ferraz
Redação da reportagem: Lara Fagundes, Mariana Milione e Isadora Máximo
Repórteres: Clarice Ferraz e Alleone Souza
Coleta e análise de dados: Enzo Carmignolli, Roberto Vieira e Mateus Gonçalves.
Edição e Supervisão Geral: professora mestra Carolina Zafino.
*O conteúdo produzido e publicado no Impressões é resultado de um processo de aprendizado pedagógico do curso de Jornalismo da PUC Goiás dos alunos na disciplina de Jornalismo de Dados.