quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
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“Comando eu posso praticar, mas eu não posso abrir mão do meu conhecimento, nem da minha prática de checagem e verificação junto às fontes e aos acontecimentos”

Profª Drª Ana Regina Rêgo

Por Núbia Nunes e Rebeca Oliveira

Com grande experiência na área de comunicação corporativa e marketing cultural, a professora e coordenadora da Rede Nacional de Combate à desinformação (RNCd), Dr.ª Ana Regina Rego, será uma das expositoras no Encontro Nacional de Ensino de Jornalismo (Enejor) da Abej, na mesa sobre “IA e o Ensino de Jornalismo: conflitos e Possibilidades”, dia 26/4. Doutora em Processos Comunicacionais/Comunicação Corporativa pela UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), com estágio de doutorado pela UAB (Universitat Autònoma de Barcelona), na Espanha, desenvolveu pesquisas nas áreas de comunicação organizacional e marketing e hoje trabalha com historiografia da mídia e desinformação. Nesta entrevista à Agência Impressões, a professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI) explica os desafios e conflitos em torno da discussão sobre Inteligência Artificial e Jornalismo e ressalta importância dos serviços prestados pelos profissionais da área para a sociedade.

Agência Impressões – O avanço da inteligência artificial vem afetando muitas áreas profissionais, como o jornalismo. Quais são conflitos entre a inteligência artificial, o ensino e a prática do jornalismo?

Ana Regina – Primeiro, no ambiente de trabalho do jornalismo por duas vertentes. A primeira vertente refere-se à questão de uma sociedade do prompt de comando, em que o jornalista já pode, inclusive com inteligências artificiais, ou seja, arquiteturas algorítmicas preparadas para interagir com o ser humano, dar o comando, por exemplo, de fazer a estrutura do lide e responder às cinco questões que abrangem essa estrutura, sobre um evento que aconteceu hoje, mas que já tem informações na internet, a partir de produtores de conteúdos diversos. Você dá os comandos e a inteligência monta a matéria para você. Teoricamente, isso facilita muito a vida do jornalista, mas tem algumas consequências. A primeira delas é uma consequência ética, já que a checagem da informação não foi feita diretamente pelo profissional, o que incorre em um maior risco de erros e uma maior probabilidade de praticar uma desinformação. A segunda consequência se refere à própria profissão do jornalista. Quantos jornalistas serão necessários para alimentar uma IA e montar toda a textualidade e página de um portal de um jornal ou fazer a produção de um de um telejornal? Isso terá consequências diretas na nossa profissão, no reverberar disso nos empregos diretamente. No que se refere ao mercado, telejornais, portais, perfis, canais, onde estamos praticando o jornalismo nessa relação com a inteligência artificial, sob pena de descredibilizar a nossa profissão ainda mais. Acho que a saída é que o comando eu posso praticar, mas não posso abrir mão do meu conhecimento, nem da minha prática de checagem de verificação junto às fontes e aos acontecimentos.

Agência Impressões – E na academia?

Ana Regina – No que concerne à academia, do ponto de vista de uma pesquisadora voltada para  projetos junto ao CNPq, acho que a gente precisa atualizar os nossos projetos pedagógicos, de modo que a técnica seja interveniente, mas não seja o centro da nossa formação, como tem se transformado nos últimos anos.

Agência Impressões – Recentemente você deu uma entrevista a respeito da polêmica entre Elon Musk e Alexandre de Moraes. Pode comentar sobre esse assunto?

Ana Regina – Posso abordar vários aspectos, mas vou pegar basicamente a questão da necessidade da regulação das plataformas, e não vou entrar no embate do que ele falou sobre o ministro. Necessariamente no Brasil, nesse momento, e do meu ponto de vista, destaco o retrocesso de não trazer de volta o Projeto de Lei 2630, de 2020, que trata sobre a regulação das plataformas, sobre a questão da desinformação e etc., e que a Câmara Federal, a partir do seu presidente, Arthur Lira, resolveu por bem zerar essas negociações que já estão sendo feitas há quatro anos, inclusive com a sociedade civil, e recomeçar tudo alegando dissidências e insatisfações com os membros do Congresso. Obviamente que os membros do Congresso vão estar insatisfeitos, porque muitos deputados e bons senadores foram eleitos com a prática da desinformação. Então, temos uma bancada desinformativa e essa bancada não tem interesse que as plataformas sejam reguladas porque não favorece a eles de forma alguma, já que o modelo de negócios apoiados por eles facilita que os conteúdos com desinformação tenham uma visibilidade e uma viralização 70% maior do que uma matéria jornalística. Isso é uma pesquisa do MIT (Massachusetts Institute of Technology) de 2018. Nós acreditamos que é preciso que as plataformas sejam extremamente transparentes em suas políticas e que elas, por exemplo, não possam derrubar determinados conteúdos que não estão infringindo lei e nem estão agredindo o próximo sem dar satisfações e, ao mesmo tempo, não possam monetizar e recomendar discurso de ódio. Elas precisam ser responsabilizadas, dentre inúmeras outras coisas, como o Projeto de Lei 2630 trata.

Agência Impressões – Sobre educação midiática,  tema do Enejor, qual a é importância desse assunto para a sociedade? O que podemos fazer, além da regulamentação, para a diminuir a propagação de fake news?

Ana Regina – A regulamentação é uma das vertentes de combate à desinformação, mas o fenômeno é bastante complexo, holístico e tem muitas dimensões. Dentro das redes nós trabalhamos algumas dessas dimensões e acreditamos que a educação midiática, a literacia e a educação para a comunicação são extremamente importantes e estejam dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Elas já estão há alguns anos, portanto, nós visualizamos que essa implementação direta na ponta, desde o ensino básico, é fundamental para que a gente possa formar uma população e uma sociedade mais crítica, capaz de discernir uma informação de uma desinformação e que tenha competência crítica de ir até as fontes básicas para além do que a mídia, do que o jornalismo oferece; uma sociedade que possa desconfiar do que está recebendo, se é informação ou não. O Digital News Report de 2021 dizia que 82% dos brasileiros já desconfiavam da interveniência da desinformação na vida dos brasileiros, ou seja, significa que já começaram a despertar um pouco. Mas, ao mesmo tempo, nós temos uma potência muito grande utilizada por aquilo que eu denomino de “mercado da construção intencional” da ignorância ou das informações falsas, numa formatação de uma composição morfológica de uma desinformação que é muito manipuladora e que pode enganar até mesmo a um jornalista, um pesquisador. E isso dificulta para qualquer pessoa, inclusive pra quem vai checar, tirar daquela informação o que é verdade, o que não é, etc. Nosso desejo de que a implementação da leitura crítica, da leitura das redes sociais e dessa formação, dessa educação voltada para esse contexto de desinformação, é essencial para que a sociedade brasileira consiga sair desse ambiente.