terça-feira, 3 de junho de 2025
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Cirurgia bariátrica pode aliviar dores lombares e transformar vidas

Estudo mostra que a perda de peso após a bariátrica reduz dores nas costas. Pacientes e profissionais relatam os efeitos físicos e emocionais

Ilustração de um corpo antes e após a cirurgia bariátrica. Autor: Sara Soares.

Por: Sara Soares, Isadora Carvalho e Lara Silva.

Supervisão: Prof.ª Gabriella Luccianni

A obesidade é uma das grandes epidemias do século XXI. No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que 6,7 milhões de adultos vivem com obesidade mórbida – condição caracterizada por um índice de massa corporal (IMC) superior a 40. As consequências desse cenário vão além da estética e do estigma social. Doenças como diabetes, hipertensão e esteatose hepática são algumas das comorbidades mais conhecidas, mas há uma que também afeta profundamente a rotina dessas pessoas e é menos debatida: a dor lombar crônica.

A cirurgia bariátrica, indicada principalmente para casos graves de obesidade, pode representar mais do que um emagrecimento significativo: ela também pode ser uma alternativa eficaz para reduzir dores nas costas, melhorar a mobilidade e proporcionar uma nova qualidade de vida. É o que indica um estudo publicado na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, que acompanhou 38 pacientes com dor lombar crônica antes e após a realização do procedimento.

Estudo comprova os benefícios

O estudo analisado foi conduzido por pesquisadores brasileiros e trouxe dados promissores. Os pacientes apresentaram uma melhora significativa nos níveis de inflamação e uma redução relevante da dor lombar após a cirurgia. A análise do Índice Oswestry de Incapacidade, ferramenta que avalia o impacto da dor lombar no cotidiano, revelou progressos expressivos. Além disso, os níveis de PCR (proteína C reativa), um marcador inflamatório, caíram consideravelmente após a perda de peso.

Esses resultados reforçam o que já vinha sendo observado na prática clínica: a diminuição da gordura abdominal reduz a sobrecarga na coluna vertebral, aliviando a pressão nos discos intervertebrais e diminuindo o estado inflamatório sistêmico, um dos principais agravantes da dor lombar crônica.

Como o excesso de peso afeta a coluna

Gráfico ilustrativo dos Pré e Pós operatorio. Autor: Sara Soares

Para a médica residente em cirurgia geral Amanda Claudino Borges, que atua no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, a ligação entre obesidade e dor lombar é direta. “O aumento da circunferência abdominal não é acompanhado por um fortalecimento muscular. Isso gera uma sobrecarga sobre a coluna lombar e acelera a degeneração dos discos vertebrais”, explica.

Além do peso em si, o excesso de tecido adiposo mantém o corpo em constante estado inflamatório, agravando ainda mais a situação. “A obesidade provoca uma inflamação crônica de baixo grau, que acelera processos degenerativos e compromete os discos intervertebrais”, completa Amanda.

Quem pode fazer a cirurgia bariátrica?

Segundo Amanda, os principais critérios são definidos a partir do IMC e da presença de comorbidades. Pessoas com IMC acima de 40 já se enquadram para o procedimento. No entanto, aqueles com IMC acima de 35 também podem ser operados, desde que convivam com comorbidades como diabetes, hipertensão, apneia do sono, depressão, entre outras.

Casos com IMC entre 30 e 34,9 podem ser considerados em situações mais específicas, principalmente se a pessoa tiver diabetes tipo 2 resistente ao tratamento convencional. “Além dos critérios físicos, também analisamos a estabilidade emocional e o comprometimento do paciente com o processo de reeducação alimentar e mudança de estilo de vida”, destaca a residente.

Transformação que vai além do físico

A cirurgia bariátrica promove mudanças metabólicas importantes: o corpo passa a absorver menos ferro, cálcio, zinco e vitaminas, o que pode causar efeitos colaterais como fraqueza nos cabelos e unhas, além de cansaço e alterações no sistema gastrointestinal. “A pessoa emagrece, mas precisa lidar com outras questões, como a flacidez da pele e a adaptação à nova dieta. É um processo contínuo”, afirma Amanda.

Esses impactos também afetam o emocional. “A cirurgia pode melhorar muito a autoestima, mas alguns pacientes desenvolvem frustrações com o corpo pós-emagrecimento ou sentem necessidade de realizar outros procedimentos estéticos, como a retirada de pele”, completa.

O impacto emocional: ‘não é só físico, é mental’

Além das mudanças no corpo, a transformação exige força psicológica. O jornalista Humberto Monteiro Alves, que passou pela cirurgia, conta que o pré-operatório envolveu acompanhamento com psicólogo e foi fundamental para seu sucesso no processo. “Essa cirurgia, eu a preparei por muito tempo. Fiz tratamento com psicólogo, realizei todos os exames. Precisei de laudos de todas as áreas clínicas. É um processo que exige comprometimento total”, explica.

No pós-operatório, Humberto relata como o emocional foi desafiado: “Na primeira semana, foi tranquilo. Mas depois, a ansiedade bate. Não é fome, é psicológico. A necessidade de comer está muito mais na mente do que no estômago.” Ele reforça que o acompanhamento psicológico e nutricional foi essencial: “Não é só uma cirurgia. É uma mudança de vida.”

A fala de Humberto ecoa depoimentos de diversos pacientes compartilhados em fóruns, redes sociais e grupos de apoio online, onde muitos destacam a importância da saúde mental nesse processo. A reeducação alimentar, a adaptação à nova imagem corporal e a expectativa social em torno do emagrecimento são desafios constantes.

Relato pessoal: ‘Ganhei saúde e liberdade’

O jornalista Humberto Monteiro Alves é um dos muitos brasileiros que buscaram a bariátrica como alternativa para recuperar a saúde. “Minha motivação não foi estética. Eu tinha hipertensão, problemas cardíacos e uma esteatose hepática em grau 4. Estava no limite”, conta. Após meses de preparação, Humberto passou pelo procedimento.

“A primeira semana foi tranquila, mas depois comecei a sentir a ansiedade bater. Seguir a dieta é essencial. Vi amigos que não respeitaram e tiveram complicações sérias, até óbito”, relata. Segundo ele, o acompanhamento psicológico e nutricional foi fundamental. “Não é só uma cirurgia. É uma mudança de vida. Hoje, me alimento melhor, me sinto mais leve e com mais energia. Minha dor nas costas, que era frequente, praticamente desapareceu.”

Os desafios do pós-operatório

No período pós-cirúrgico, os pacientes enfrentam diversos desafios. A alimentação é o principal deles. “Nos primeiros dias, tudo é líquido e pastoso. Depois, a reintrodução de alimentos sólidos deve ser feita com cautela, respeitando o novo tamanho do estômago”, detalha Amanda. Além disso, é necessário evitar esforços físicos nas primeiras semanas, acompanhar os níveis de nutrientes e manter um apoio psicológico constante.

Outro ponto importante é o risco de deficiências nutricionais. Por isso, o acompanhamento multidisciplinar — com cirurgião, nutricionista, psicólogo e educador físico — é essencial para garantir o sucesso do tratamento a longo prazo.

Mais do que emagrecer: é sobre viver melhor

A cirurgia bariátrica, apesar dos riscos e cuidados exigidos, tem se mostrado uma alternativa eficaz para tratar a obesidade grave e melhorar a qualidade de vida dos pacientes — inclusive no controle da dor lombar crônica. O estudo científico reforça que, com o emagrecimento, o corpo desinflama, a coluna sofre menos pressão e a dor tende a desaparecer.

Mas como alertam os especialistas e pacientes, o sucesso da cirurgia não depende só da técnica, e sim do compromisso do paciente com um novo estilo de vida.

“A bariátrica não é o fim. É o começo de uma jornada”, resume Humberto.