Por Emanuelle Mattos, Gabriela Rezende e Kézia Pimentel.
As rodovias brasileiras testemunham milhões de histórias. Elas não apenas traçam o destino, mas por diversas vezes são, também, companheiras de vida e jornada. Nesse contexto, estão os caminhoneiros, a quem chamamos de herois da estrada. Responsáveis pelo transporte da maior parte das mercadorias, eles enfrentam acidentes de trânsito, roubos de carga e condições climáticas adversas.
Wilson Raimundo, 70, é caminhoneiro há 30 anos. Ele conta que tinha planos de se mudar para os Estados Unidos, mas a morte de um irmão fez com que iniciasse na profissão para ajudar a família. O caminhoneiro acorda cedo para rodar cerca de 1000 km por dia e a maior dificuldade é ficar longe de casa. “Sou muito caseiro […] sou casado há 23 anos e tenho dois filhos.”
Os caminhoneiros desempenham um papel crucial na economia do Brasil, transportando mercadorias por todo o país. A greve dos caminhoneiros, em 2018, destacou a importância desses profissionais,expôs a dependência do país em relação ao transporte rodoviário e levou a uma queda significativa nas expectativas de crescimento do PIB, que passou de 2,7% para 1,6% em poucas semanas, segundo pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Tal importância fica ainda mais evidente ao analisar dados do transporte aéreo no Brasil, responsável por apenas 1,4% do PIB.
Rotina
A jornada de um caminhoneiro começa antes do amanhecer. Eles enfrentam longas horas ao volante, percorrendo estradas, muitas vezes, em péssimas condições. José Castoldi, caminhoneiro há 40 anos, relata sua rotina. “Saio cedinho, 5 horas da manhã e rodo até as 22 horas, faço intervalos de 4 em 4 horas, para descansar um pouco, tento sempre estar dentro da lei.”
A Lei do Caminhoneiro, sancionada em 2015, regulamenta a jornada de trabalho desses profissionais, estabelecendo um limite diário de 8 horas, com possibilidade de 2 horas extras mediante acordo. Além disso, determina um tempo máximo de direção contínua de 5 horas e meia, seguido de um descanso de 30 minutos. Para isso existem os Pontos de Parada e Descanso (PPDs) “regulamentados pela Lei nº 13.103/2015, que visam promover a segurança nas estradas, reduzir a fadiga dos motoristas e prevenir acidentes, garantindo condições adequadas de repouso.” Mas, os caminhoneiros se queixam da distância entre esses pontos, o que torna difícil a obediência do intervalo previsto em lei.
A segurança também é uma preocupação constante, com o risco de assaltos e acidentes. Miguel, estudante de Engenharia da Computação e filho de caminhoneiro, fala sobre a realidade do pai. “Geralmente acidente é sempre feio, sempre fui muito medroso com isso. Quando meu pai não dava notícia ou então falava que o caminhão quebrou, ia precisar dormir na estrada, eu sempre ficava muito apreensivo, até que chegava eu não ficava de boa.” Os caminhoneiros enfrentam riscos como acidentes de trânsito, roubos de carga e condições climáticas adversas. A manutenção do veículo e a atenção às condições das estradas são cruciais para minimizar esses riscos.
As condições das rodovias brasileiras variam significativamente. Enquanto algumas estradas são bem mantidas, outras apresentam buracos, falta de sinalização e iluminação inadequada. Essas condições podem aumentar o tempo de viagem e o risco de acidentes. Os caminhoneiros também enfrentam obstáculos como a alta dos combustíveis, que impacta diretamente seus ganhos. Por exemplo, em uma viagem de Santos a Recife, um caminhoneiro pode gastar cerca de R$12 mil apenas com combustível. Além disso, análise feita pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD-IBGE) aponta que muitos trabalham mais do que a lei permite, com 43% ultrapassando as 44 horas semanais.
A saúde
A rotina de um caminhoneiro é desgastante, com longas horas ao volante e pouco tempo para exercícios físicos. A alimentação irregular e o sedentarismo são desafios adicionais. A saúde dos caminhoneiros é uma questão de grande importância, dada a natureza exigente e muitas vezes estressante do trabalho.
“Em primeiro lugar, a insônia, essa diferença de ciclo circadiano,de trocar o dia pela noite. Isso causa vários problemas a longo prazo, como depressão, ansiedade, alteração de humor e aumento de peso. Em segundo, a diabetes, porque a maioria dessas pessoas não têm uma vida ativa, passam muito tempo sentadas, muito tempo dirigindo, sem fazer uma atividade física e comendo muitas coisas prontas. Então, querendo ou não, entram numa resistência à insulina”, explica a médica Vitória Ribeiro.
Ao ser questionado sobre um momento difícil na vida de caminhoneiro, o paulista Ede Carlo, 40, conta sobre um colega de trabalho que cometeu suícidio utilizando o cavalo mecânico de seu próprio caminhão. ”É muito difícil a profissão.” A psicóloga Ana Clara Perdomo comprova a afirmação de Ede Carlo. “É uma profissão muito solitária, onde a gente tem que abrir muito mão dos momentos em família. […] Eles querem produzir, querem trabalhar, querem fazer a qualquer custo. Só vai sentir a gravidade disso quando o corpo para e desencadeia ainda mais o problema da saúde mental, e se o corpo para, quem vai sustentar essa família?”.
Os mais de 900 mil caminhoneiros desempenham um papel vital na economia e no cotidiano do Brasil. Sem eles, grande parte das mercadorias que chegam às prateleiras dos supermercados, às fábricas e aos portos não seriam transportadas com a eficiência necessária. Além de moverem o país pelas estradas, esses profissionais enfrentam desafios como longas jornadas, condições de trabalho difíceis e falta de infraestrutura adequada, mas continuam sendo essenciais para o funcionamento de diversos setores. Valorizar o trabalho dos caminhoneiros é reconhecer sua importância no crescimento econômico e na manutenção do abastecimento de todo o país.