quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
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Além da imparcialidade: ética e compromisso no jornalismo atual

A busca por um jornalismo ético e plural transcende a noção tradicional de imparcialidade, destacando a importância de ouvir múltiplas vozes e perspectivas

Reprodução: Internet (Pinterest)

Por Clarice Ferraz, Isadora Máximo, Lara Fagundes, Mariana Milioni, Mateus Gonçalves e Nathany Nunes (alunas e aluno da disciplina Teorias do Jornalismo, sob supervisão do professor Rogério Borges)

O conceito de imparcialidade no jornalismo tem sido defendido há anos como uma prática essencial para garantir a credibilidade e objetividade da profissão. Entretanto, especialistas como o professor, pesquisador e Doutor em Comunicação pela USP Luiz Antônio Signates questionam a viabilidade dessa ideia. Para Signates, que é professor de Jornalismo da PUC Goiás e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFG, a imparcialidade é uma “noção positivista” que parte da suposição de que é possível separar os fatos das opiniões e posicionamentos, algo que ele considera ilusório. “Não acredito no conceito de imparcialidade. Nem no jornalismo, nem na ciência”, esclarece.

Segundo o professor, a própria ideia de um “fato puro”, sem qualquer intervenção subjetiva ou ideológica, é equivocada. “Não existe relato sem escolhas, sem posições, sem opções”, explica. Isso quer dizer que o simples ato de selecionar o que será notícia já carrega uma decisão, um filtro que reflete a perspectiva do jornalista ou da instituição de mídia. Nesse sentido, o conceito de imparcialidade não apenas é inatingível, mas inexistente.

Essa crítica direta à imparcialidade coloca em foco o que, para Signates, é o verdadeiro papel do jornalista: não esconder suas escolhas, mas garantir que todas as vozes relevantes sejam ouvidas, uma abordagem que ele chama de pluralidade. “O bom jornalismo não é imparcial, pois a imparcialidade é uma impossibilidade cognitiva e discursiva”, afirma. O professor defende que, ao contrário de buscar uma neutralidade idealizada, o jornalista deve adotar uma postura plural, dando espaço para as múltiplas perspectivas envolvidas em uma história.

A pluralidade, conforme Signates explica, também exige um compromisso ético que vá além da simples técnica jornalística. “O que define o jornalismo não é a técnica, e sim a ética”, enfatiza. Para ele, a técnica, por mais importante que seja, não é suficiente para garantir a qualidade do trabalho jornalístico. A verdadeira essência do jornalismo reside no compromisso ético do profissional em servir ao interesse público, especialmente aos mais vulneráveis.

É essa perspectiva que leva o professor a rejeitar a ideia de que pluralidade seja sinônimo de jornalismo opinativo ou subjetivo. Ele ressalta, no entanto, que a pluralidade não deve ser confundida com o abandono da objetividade em nome de uma visão puramente pessoal ou ideológica. Pelo contrário, ela implica um jornalismo que reconhece a complexidade da realidade e busca representar os diferentes pontos de vista com integridade.

A defesa de um jornalismo plural está alinhada com a busca por um jornalismo mais responsável e comprometido com o interesse da sociedade. Ele sustenta que o jornalista não deve se esquivar de tomar posições em questões que envolvem direitos e cidadania, mas sempre com o cuidado de dar voz a todas as partes envolvidas. “O bom jornalismo dá voz a todas as partes (que não são só duas)”, diz o docente, deixando claro que muitas vezes a realidade é multifacetada, e o papel do jornalista é captar essa multiplicidade com responsabilidade.

Em tempos de polarização e desinformação, a pluralidade se torna, para Signates, uma forma de combater a ideia enganosa de que a imparcialidade seria o caminho para uma prática jornalística correta. Para ele, o jornalismo deve ser capaz de “dar voz a todos”, mas também tem a responsabilidade de “se posicionar ao lado do interesse público”.

Ao repensar o papel do jornalista como mediador ativo no debate público, Signates conclui que o compromisso com a pluralidade e a ética oferece uma alternativa mais realista e necessária à ideia de imparcialidade. Ele convida os jornalistas a abraçarem a complexidade da realidade e a exercerem seu trabalho com responsabilidade social, promovendo o interesse da cidadania e dos mais vulneráveis.

A imparcialidade em diferentes meios jornalísticos

Diego Itacaramby é produtor de reportagens da TV Anhanguera, afiliada à Rede Globo em Goiás, e destaca a importância da imparcialidade na produção de reportagens. Ele define a imparcialidade como justiça, uma vez que a TV muitas vezes apresenta casos antes mesmo de serem julgados. Assim, dar espaço aos dois lados em uma reportagem é uma forma de garantir que todas as versões de um fato sejam ouvidas e consideradas. “Se a gente mostra só um lado, o lado de quem está acusando, de quem está denunciando, o telespectador vai entender só o lado dele, não vai conseguir formar uma opinião ouvindo os dois lados”, afirma.

Diego ressalta ainda a importância do direito de resposta para que jornalistas e produtores garantam a imparcialidade em uma reportagem e cita: “Eu acho que o principal é dar um direito de resposta, que é garantido por lei. Dar um tempo, um espaço também para a defesa se defender, no caso daquilo que está sendo acusado e ou denunciado.”

O período das eleições municipais em Goiânia é usado por Diego para exemplificar a forma com que ele e sua equipe mantém o cuidado para que a imparcialidade jornalística seja mantida. “A gente deixa o mesmo tempo para todos os candidatos, se vai ser um minuto, é um minuto para todos os candidatos. A gente sempre faz a mesma pergunta no mesmo dia, iguais para todos”, explica ele.

Para Diego, o maior desafio no jornalismo ao tentar manter a imparcialidade é a dificuldade das pessoas entenderem como ela funciona dentro do jornalismo: “Às vezes a defesa, por ela estar sendo denunciada, às vezes ela fica muito irritada, agressiva e aí não entende que ali é um espaço para ela dizer a versão dela”.

Atuando em uma das emissoras mais tradicionais do estado, Diego menciona a necessidade de resistir às pressões externas de grupos políticos, empresariais ou com interesses próprios que buscam influenciar a cobertura jornalística. “Sempre tem essa pressão, mas aí a gente lembra daquilo que a gente aprende da academia, das teorias, daquilo que faz sentido pra você, dos seus ideais, daquilo que você vive, daquilo que você acredita, e não abaixando a cabeça”, evidencia ele, destacando a importância de manter a ética profissional.

Diego Itacaramby argumenta que, mesmo que todos esses recursos sejam utilizados em uma reportagem, sempre há um grau de subjetividade presente. De acordo com ele, mesmo quando há o direito de resposta, a diferença de tempo e espaço entre a denúncia e a defesa compromete a imparcialidade da informação: “Mesmo que tenha o direito de resposta, às vezes a reportagem é de 4 minutos e o direito de resposta é 30 segundos, não tem como ser imparcial nessa situação.”

No ramo da assessoria, o conceito de imparcialidade vem acompanhado por particularidades. A jornalista e professora da PUC Goiás Gabriella Luccianni explica que a complexidade reside no paralelo entre a função do assessor, de orientar e atuar na comunicação da entidade ou órgão que representa, e a inviabilidade de se posicionar por qualquer figura além do assessorado. “Eu acho a imparcialidade um pouco complexa porque a gente já começa falando de uma parte. Você fala em nome de um assessorado e não pode responder por outros órgãos”, explica ela.

Nesse ponto, a assessoria de comunicação se diferencia de formas mais convencionais de jornalismo, que se comprometem com a busca por ouvir o maior número de fontes possível, a fim de representar as multifacetas de uma situação ou acontecimento. “No jornalismo, na cobertura diária, a gente busca a imparcialidade. Muitas vezes a gente não consegue, mas a gente ouve várias partes envolvidas naquele caso. Na assessoria não é assim”, relata Gabriella. Assim, o dever ético continua intrínseco ao jornalista, entretanto, a imparcialidade pode não ser performada como esperado pelas definições mais comuns do termo.

“Eu não tenho, por exemplo, como responder por outras instituições, porque eu assessoro uma. Não é como em outras áreas do jornalismo que, quando um jornalista de um veículo vai fazer uma cobertura, ele tem que ouvir cinco, seis, sete instituições além do público. Eu não. Eu tenho que dar a versão da minha assessoria”, detalha a profissional.

Ao pensar o jornalismo como uma ferramenta que serve o interesse público, infere-se o dever do assessor de trabalhar com transparência. Gabriella esclarece que a assessoria de comunicação não pode sacrificar a objetividade da informação em nome da imagem do assessorado: “Tem gente que acha que o assessor existe para fazer propaganda, para divulgar tudo que o assessorado faz. O assessor que faz isso se queima no mercado, porque ele faz um release cheio de adjetivo, ele faz um release que não tem conteúdo, as redes sociais dele são só pra falar bem do assessorado. A gente tem que trabalhar com informação e com informação verdadeira objetiva.”

Conciliar o trabalho de jornalista de um veículo informativo e o trabalho de assessor de uma instituição pode configurar um dilema para a imparcialidade jornalística. É viável para o profissional manter o compromisso com a neutralidade em cada uma de suas atribuições? Para Gabriella Luccianni, é possível equilibrar as responsabilidades, contanto que os cargos não sejam centrados no mesmo setor. “Por exemplo, um jornalista que cobre economia não pode assessorar uma grande empresa, um grande empresário, porque obviamente ele vai favorecer o assessorado dele. No caso de cobrir política e assessorar político, além de favorecer para produzir e publicar mais matérias positivas sobre o político que ele assessora, ele vai saber de um monte de coisas negativas sobre aquele político que ele não publicaria porque não convém”, elucida a professora.

Empresas têm códigos de conduta para jornalistas

A teoria da imparcialidade gera discussões também no meio impresso. Segundo Fabiana Pulcineli, repórter de política no jornal O Popular, que faz parte do grupo Jaime Câmara, há um Código de Conduta que estabelece credibilidade e imparcialidade como princípios básicos da linha editorial do veículo. Fabiana acrescenta que “independentemente do Código específico do GJC (Grupo Jaime Câmara), considero que a busca por isenção é um preceito básico da própria formação do jornalista.”

Para a jornalista, no simples ato de definir a ordem dos parágrafos de uma reportagem ou a escolha das palavras usadas em um texto, há subjetividade. No entanto, para ela, há um esforço diário da redação para obter isenção, apuração e lealdade aos fatos: “O papel do jornalista, portanto, é esgotar a apuração, ouvindo todos os envolvidos e dando espaço para que todos se manifestem, e relatar da maneira mais isenta possível e com contextualização.”

Fabiana destaca a importância de manter um equilíbrio na cobertura política, enfatizando que não se deve confundir a imparcialidade com dar espaço a ambos os lados sem apontar seus excessos. Em casos de informações falsas ou de desrespeito à Constituição Federal, por exemplo, o jornalista deve apontar os problemas: “não se pode, a pretexto de ‘não tomar lado’ em uma polarização, naturalizar atitudes inconstitucionais e contra direitos humanos, por exemplo.”