quarta-feira, 23 de outubro de 2024
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“A educação midiática é uma área que pressupõe a pesquisa e ação, é necessário dar retorno para a comunidade”

Profª. Drª. Letícia Torres (UFJF).

Por Guilherme Ferreira

Letícia Barbosa Torres Americano é doutora em Comunicação, Cultura e Arte pela Universidade do Algarve (UAlg), Portugal, mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professora da Faculdade de Comunicação Social e pesquisadora associada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, ela estuda consumo, publicidade e literacia midiática. No dia 25 de abril, às 10 horas, Letícia Torres será uma das expositoras da mesa redonda “Ensinar a ensinar: a alfabetização midiática nos currículos de Jornalismo”, durante o Encontro Nacional de Ensino de Jornalismo (ENEJor), realizado pela Abej. Nesta entrevista, a pesquisadora fala sobre o tema da palestra, ressalta a importância da literacia midiática para o exercício da cidadania e explica como as marcas devem se comportar nas redes sociais.

Impressões: Sabemos da importância da educação midiática para o exercício da cidadania. Porém, parte expressiva da sociedade não tem consciência dessa relação. Qual é o papel do jornalista e da universidade para modificar essa realidade? 

Letícia: A luta é bastante antiga e atrasada no nosso país, apesar de reconhecer toda a competência do Brasil na comunicação como algo transformador. Porém, o entorno midiático mudou. Costumo falar com os meus alunos que antes de produzir um vídeo, precisamos ser alunos de comunicação. Atualmente, qualquer criança pode produzir e distribuir conteúdo audiovisual. Todo mundo é um produtor de conteúdo. O comunicador social tem mais uma frente de abertura, até de trabalho. As pessoas sempre precisaram de educação midiática, mas hoje precisam muito mais, pois somos todos produtores de conteúdo. Acredito que a universidade tem de se voltar a isso. 

Outro dia, fui à minha médica e ela estava assistindo vídeos de como postar no Instagram. Hoje, todos produzem para as mídias e a função para o jornalista da universidade é pensar numa  forma de ajudar as pessoas nessa ação. O jornalista não obtém mais o monopólio da informação. O jornalismo precisa se reinventar diante desse cenário. Acredito que a educação midiática tem que estar sistematizada no Ensino Médio, ou até antes. E estamos fazendo isso. Temos vários grupos observadores da qualidade, do audiovisual e vários métodos de treinamento tradicional, pesquisa e extensão, onde investigamos a questão, mas também damos um retorno para a sociedade trabalhando em parcerias com escolas. Fomos em uma escola e o diretor estava apavorado, pois as meninas, para vender doces, estavam usando muito o próprio corpo para fazer propaganda no Instagram. 

Impressões: Na sua visão, como a educação midiática deve ser trabalhada nos currículos de Jornalismo? 

Letícia: É uma discussão complexa e não existe apenas um caminho. Trabalho há 10 anos com essa questão e, na minha opinião, deveriam ter disciplinas em relação a isso, porém, não adianta apenas ceder a disciplina, você precisa ter ligação. A educação midiática é uma área que pressupõe a pesquisa e ação, é necessário dar retorno para a comunidade. 

Na Universidade em que trabalho, temos duas disciplinas optativas em relação a literacia midiática. Uma é Seminário sobre Literacia Midiática, que tem uma ementa flexível, onde, a cada semestre, pode focar em um determinado assunto. Neste (semestre), está trabalhando com pedagogias ativas na educação. Em junho, vamos aplicar oficinas numa escola estadual de Juiz de Fora.

Temos outra, que é Literacia Midiática, Audiovisual e Memória, onde trabalhamos também as ementas semiabertas, porém trabalhamos a importância da educação midiática e de compreender os produtos onde contamos uma história. No último semestre que ministramos, tivemos apresentação de documentários e esses produtos audiovisuais impactam na formação de uma memória e no conhecimento dos diversos históricos no Brasil.

Impressões: Um dos seus projetos de pesquisa tem como título “Consumo, Publicidade e Literacia Midiática”. Qual é a importância da Literacia Midiática para os usuários das redes sociais, onde as marcas se comunicam diretamente com seus públicos de interesse?

Letícia: A pesquisa está dentro do Observatório de Qualidade do Audiovisual, em que sou uma das coordenadoras, junto com a professora Gabriela Borges (UAlg/UFJF) e com a Doutora Daiana Maria Veiga Sigiliano (UFJF), onde desenvolvemos vários projetos ligados à literacia midiática, educação midiática e à comunicação. Esse projeto foi criado pela professora Gabriella.

Desde que virou o século, a sociedade e a comunicação tiveram uma grande mudança com a internet, e isso influenciou na comunicação com o mercado. As marcas nunca tiveram tanta possibilidade de falar diretamente com o consumidor. Então, as marcas incentivam que instalemos o aplicativo delas no dispositivo do consumidor, aumentando o contato. As marcas são transformadas em personas, mostrando inclusive os seus defeitos, sendo cada vez mais personalizadas. No século passado, as marcas eram perfeitas.

A importância de discutirmos sob o âmbito da literacia é preparar, como um profissional de marketing, estudar, orientar as marcas nesse novo cenário midiático para trabalhar esses novos contextos. Acreditamos que também é preciso preparar os consumidores e os cidadãos para lidarem com esse cenário. 

Hoje, a pessoa da comunicação em rede precisa de interação, relacionamento, engajamento. Elas não apenas recebem a comunicação das marcas, são também estimuladas a participar. A discussão principal na literacia midiática é que precisa ter que se engajar na comunicação. Quando uma postagem que fazemos não tem nenhuma curtida, é uma lástima, imagina para uma marca.

Impressões: Como a senhora avalia o comportamento e a comunicação das marcas pesquisadas nas redes sociais?

Letícia: As marcas têm comportamentos diferentes. As que são trabalhadas com qualidade se aproximam, criando estratégias de identificação e de parceira. Fazem parte e criam comunidades em sua volta, não oferecendo somente a comunicação sobre a marca, mas conteúdo relevante para o seu perfil de consumidores. Elas viraram plataformas de conteúdo online. Atualmente, têm a competência de atrair e segurar uma audiência interessada no conteúdo que oferecem. Temos também os influenciadores digitais, que são um caminho importante para as marcas conversarem com seu público.