domingo, 22 de junho de 2025
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“O desafio é fazer algo diferente, bem feito e responsável, sem apelar para click bait”

Jornalista Isabela Gadelha, da CNN Brasil, fala sobre cultura asiática e dá dicas para quem quer seguir no jornalismo cultural

Gabriela Serrano (trabalho realizado na Disciplina Teorias do Jornalismo, sob supervisão do professor Rogério Borges)

Nascida em Rio Branco, no Acre, Isabela Gadelha é jornalista e produtora de conteúdo. Morando há quase dez anos em São Paulo, ela trabalha na produção de videocasts na CNN Brasil e comanda o K-Tudo CNN, quadro dedicado à cultura pop sul-coreana.

O interesse pela cultura asiática começou durante a pandemia, quando assistiu à série Apostando Alto (2020). Depois disso, a jornalista mergulhou no universo dos dramas coreanos e, pouco depois, no k-pop, especialmente após conhecer o BTS. Desde então, tem explorado esse cenário cada vez mais.

Na entrevista a seguir, Isabela conta como foi sua adaptação ao mercado de trabalho no eixo Rio-São Paulo, fala sobre sua rotina na CNN, seu envolvimento com a cultura asiática e ainda compartilha dicas para quem quer atuar no jornalismo cultural.

Confira a entrevista completa:

Impressões: Primeiro, quero que você se apresente e fale um pouco mais sobre quem é Isabela Gadelha.

Isabela: Oi, eu sou a Isa, sou acreana, nascida e criada em Rio Branco e moro há quase 10 anos em São Paulo. Sou jornalista e atualmente trabalho produzindo videocasts na CNN Brasil, além de conduzir o K-Tudo CNN, um quadro de cultura pop sul-coreana.

Impressões: Você sempre quis ser jornalista ou sua trajetória tomou esse rumo aos poucos? Fale sobre sua caminhada no Jornalismo e sua carreira.

Isabela: Engraçado que desde nova, com uns 12, 13 anos, eu já tinha blogs na internet. Nem me lembro direito o nome deles, mas eu sempre escrevi muito e acho que ninguém percebeu que ali era o primeiro indício. O que me fez decidir foi a experiência de ser colaboradora da revista Capricho aos 15 anos, quando fui selecionada pra Galera Capricho. Foi a primeira vez que conheci uma redação e tive contato com jornalistas. Sou de uma cidade que esse mercado é muito pequeno, então meus pais ficaram preocupados com meu interesse, mas me apoiaram. A estagiária da época da Capricho também tirou minhas dúvidas e me apoiou. Foi a primeira vez que tive certeza no coração do que eu queria fazer. Até então, dizia que queria arquitetura, mas não sentia que era realmente isso. Sou grata pela Capricho por isso.

Impressões: O eixo Rio-São Paulo concentra grandes oportunidades do jornalismo brasileiro. Como foi entrar nesse mercado e conquistar espaço?

Isabela: Por ter feito faculdade justamente aqui em São Paulo, foi mais tranquilo entrar no mercado. Acredito que pra quem vem de fora é mais difícil, mas já vi pessoas de fora voando e conquistando muito por aqui. Quando cheguei, tirando a revista Capricho, não conhecia ninguém. E mesmo na Capricho eu fiz entrevista de estágio e não passei, então nada era garantido. Conquistei minhas vagas mandando mil e-mails por dia com meu currículo e participando dos processos seletivos. É frustrante, mas é a vida. Você envia 100 currículos, recebe resposta de 3 e faz o processo seletivo de 2. Mas não pode desistir.

Impressões: Você sente que jornalistas que vêm de outros estados encontram mais barreiras para se estabelecer nesse circuito?

Isabela: Com certeza, acho que em todas as áreas, não só no jornalismo. Uma amiga falou que conseguiu colocando no currículo um endereço de São Paulo, mesmo ainda não morando aqui, e isso ajudou. Uma opção é fazer cursos por aqui que podem te gerar networking. Parece um mercado grande, mas não é tanto.

Impressões: Como surgiu seu interesse pelo jornalismo cultural e, mais especificamente, pela cultura asiática?

Isabela: Eu entrei na faculdade querendo entretenimento. Ponto. Nunca quis outra coisa. Cheguei a trabalhar com hard news na Band e, sinceramente, adorei! Mas, de resto, sempre foi entretenimento. Sempre amei especialmente séries de TV desde pequena e queria falar sobre isso, sobre cultura pop, e pra suprir essa necessidade criei meu canal no YouTube, já que nos estágios eu estava longe de fazer algo parecido. Então sempre foi meu objetivo. Já cultura asiática surgiu na pandemia. Um belo dia a Netflix me indicou “Start Up” pra assistir e eu não consegui parar. Depois, quis ver outros dramas coreanos. Do k-pop eu conhecia o [quarteto musical] BLACKPINK, mas a ponto de me fazer viciar foi o [grupo musical] BTS. Já acompanhava eles de longe e achei super legal o sucesso tanto do BTS quanto do BLACKPINK, por ser algo fora dos EUA fazendo sucesso mundialmente, até no mercado americano. Mas me apaixonei assistindo o BTS ao vivo no Grammy. Estava assistindo à premiação pela Taylor Swift, que estava indicada por Folklore e eu sou fã há 12 anos, mas foi nesse dia que me apaixonei pelo BTS performando ao vivo. Desde então, fui conhecendo outros artistas também, mas meus favoritos da vida são BTS e [grupo musical] SEVENTEEN.

Isabela Gadelha em entrevista com o ator Seo In-guk/ Instragram: @isabelagadelha1

Impressões: Hoje, a cultura asiática está muito mais presente no Brasil do que há alguns anos. Você percebe essa mudança também no interesse das redações?

Isabela: Sim, com certeza. Desde que entrei na CNN, há quase quatro anos, vi uma mudança na cobertura de k-culture. Vale dizer aqui que o K-Tudo CNN é um quadro que eu não consigo cobrir matérias quentes, porque meu escopo principal na CNN é produzir videocasts. Matérias mais quentes são feitas por outras pessoas e tenho visto muito mais no site. Também vejo movimentação em outros veículos que estão cobrindo mais e antes não tinham essa preocupação. Até Folha de São Paulo está cobrindo k-culture.

Impressões: Em um post no LinkedIn, você fala que, quando começou seu quadro de cultura pop sul-coreana na CNN, pensou em abordar também assuntos importantes e sérios. Como você escolhe o tom certo para abordar cada tema?

Isabela: Eu tenho que seguir as diretrizes da CNN, então em qualquer matéria que faço, não posso usar termos que todo k-popper usa, como “bias”, “utt”, entre outros termos em inglês ou coreano. Começa por isso. Depois, gosto de trazer esses assuntos porque acho que vale as pessoas que gostam de cultura asiática entenderem que estão gostando de artistas racializados, e que isso também quer dizer que são artistas que podem sofrer racismo, além de xenofobia por serem de outro país. Também para os próprios fãs não reproduzirem falas e outros comportamentos problemáticos. Então gosto de trazer esses assuntos importantes, para gerar reflexão e conscientização, mas explicando de uma forma que seja fácil de entender e trazendo pro dia a dia. Por exemplo, na reportagem sobre fetiche por pessoas amarelas, eu explico a diferença entre fetichizar asiáticos e ter uma quedinha pelo Jung Kook do BTS. Qual é a linha tênue? Não vale só explicar algo complexo sem trazer pro dia a dia da pessoa que consome k-culture.

Impressões: Em tempos de desinformação, você percebe desafios específicos na cobertura de cultura asiática? Há muitos mitos ou informações erradas sobre o tema?

Isabela: Há sempre muitos desafios, e muitos em relação à forma que as agências da Coreia do Sul funcionam. Ontem mesmo recusei publicar uma entrevista por e-mail com um ator, porque mandei perguntas e as respostas foram terríveis, monossilábicas. Não dava para publicar e recusei falando que não estava no padrão da CNN e não trazia nada de novo para os fãs dele. Já entrevistei um grupo de k-pop por vídeo (mas em que a imagem não seria veiculada) em que os membros liam para as respostas em inglês em um papel, sendo que apenas uma pessoa sabia inglês. É importante dizer que cedemos isso de enviar as perguntas antes da entrevista porque é um padrão da Coreia do Sul, acabamos fazendo, mas foi a primeira vez que vi pessoas lendo respostas previamente escritas. As agências são muito controladoras e eu sempre tento achar um meio termo em relação a isso. Por exemplo, eles às vezes querem ler a matéria antes de publicarmos, e eu sempre respondo que não faz parte da política da CNN e eles entendem. Eles cedem um pouco de lá, e nós cedemos às vezes daqui, e assim funcionamos. Mas é sempre uma dor de cabeça. Faço junkets de produções americanas e nada parecido com isso aconteceu. Os atores são treinados para saberem lidar com qualquer pergunta, nunca mandamos as perguntas antes. Se tem um tópico sensível, avisam os jornalistas – e aí vai do bom senso do profissional arriscar falar sobre aquilo ou não. No Brasil já teve assessoria pedindo as perguntas antes, mas por aqui negamos, já que não é comum.

Impressões: Como é sua rotina de trabalho na CNN?

Isabela: Minha rotina inclui negociar com assessorias de imprensa de convidados que queremos no No Lucro CNN e no Na Palma da Mari, organizar o calendário de K-Tudo CNN para que entrevistas e temas possam sair nas próximas semanas, fazer o roteiro de entrevistas do Na Palma da Mari e cortes do videocast nas redes sociais, entre outras responsabilidades.

Impressões: Como foi o processo de mostrar que a cultura asiática é um tema relevante para o público brasileiro dentro de um veículo de alcance nacional?

Isabela: Eu fiz um Powerpoint com dados e ideias para meus chefes e eles amaram. Então é isso, faça uma apresentação, traga dados que mostram que aquilo é relevante, exemplos de quem já está fazendo, potencial daquilo dar certo no veículo, e tcharam! Pode dar certo.

Impressões: Você também já teve a oportunidade de trabalhar com outros tipos de conteúdos. Como foram essas experiências?

Isabela: Acho que uma das melhores experiências foi produzir a live de seis horas do Oscar que foi pra TV e pro YouTube da CNN. Foi um baita desafio. Levamos até o cachorrinho de “Ainda Estou Aqui”. Tenho orgulho de como deu tudo certo e faz uma diferença enorme trabalhar com um time bom. Tenho essa sorte.

CONFIRA OS BASTIDORES DA COBERTURA DO OSCAR NA CNN:

Impressões: A experiência de viajar a trabalho, como foi o caso da sua ida recente a Los Angeles, amplia a visão de mundo de um jornalista. Como essas vivências impactam sua carreira?

Isabela: Nossa, foi a melhor experiência internacional que tive e fico ainda mais chocada que em nenhum momento fiquei nervosa. Exceto quando entrevistei Ayo Edebiri, que sou muito fã. Mas foi minha primeira vez em um red carpet de Hollywood e ao meu lado estavam jornalistas da AP e da Reuters, que loucura! Foi legal entender como funciona tudo e que deu tudo certo. Só tinha eu, sozinha, com um celular, um microfone e um sonho dando conta de tudo.

Impressões: Além do seu trabalho na CNN, você também produz conteúdos para as redes sociais. Como foi essa decisão de expandir sua presença para além do jornalismo tradicional?

Isabela: Quando se produz conteúdos para um veículo, você tem que seguir as diretrizes, a linguagem daquele veículo. Produzindo conteúdo para mim mesma, posso ter algumas outras liberdades – apesar de, claro, como colaboradora da empresa, eu tenho que me manter responsável com o conteúdo que faço. Mas produzindo pras minhas redes, posso ter outra linguagem ou falar de assuntos que não seriam interessantes ou que não combinam com a CNN. Não tenho tempo de criar conteúdo sempre, mas é algo que eu gosto bastante de fazer.

Apesar de, claro, não achar que o jornalismo precisa ser super sério e quadrado, podemos ter conversas e outras dinâmicas divertidas em uma entrevista.”

Impressões: O jornalismo cultural é visto como uma área mais leve, mas, na prática, quais são os desafios e complexidades dessa editoria?

Isabela: É um mercado saturado. Tem muitos veículos fazendo. Talvez o desafio seja fazer algo diferente, bem feito e responsável, sem apelar para click bait.

Impressões: O jornalismo cultural muitas vezes transita entre informação e entretenimento. Como você enxerga esse equilíbrio na sua cobertura?

Isabela: Eu diria que é na linguagem que dou às informações. Como deixar o texto mais tranquilo de ler, sem perder a seriedade, dependendo do assunto, sendo também divertido?

Impressões: Você sente que o público brasileiro consome jornalismo cultural de forma diferente hoje em comparação a alguns anos atrás?

Isabela: Com certeza. Temos podcasts hoje em dia, vídeos curtos, múltiplas plataformas. Há várias formas de acompanhar.

Não acho que você precise aparecer diante das câmeras falando sobre o assunto, até porque nem todo mundo quer ficar na frente das câmeras. Se é o que quer, se jogue! Mas se não é, há alternativas.”

Impressões: Com o aumento da produção de conteúdo independente e influenciadores cobrindo cultura, qual você acha que é o diferencial que um jornalista pode trazer para esse cenário?

Isabela: Pensando em entrevistas, vejo muitas dancinhas e outros tipos de conteúdo de influenciadores com artistas e não gosto e nem consumo esse tipo de conteúdo. Apesar de, claro, não achar que o jornalismo precisa ser super sério e quadrado, podemos ter conversas e outras dinâmicas divertidas em uma entrevista. Mas pelo que vejo, influenciadores não conhecem muito bem a ética e outros cuidados que se tem ao entrevistar alguém, e já vi muitos artistas bem desconfortáveis nessas abordagens. Quanto à criação de conteúdo, muitas pessoas encontram e começam novos formatos e linguagem bem interessantes, e têm um storytelling muito bom. Como jornalistas, podemos aprender com eles também outras formas de dar notícias como essas. Mas, caindo na mesma crítica que fiz a entrevistas, alguns influenciadores não entendem de ética jornalística e também podem pecar na apuração de informações.

Impressões: Qual recado e quais dicas você daria para jornalistas que desejam trabalhar na área cultural?

Isabela: Algo que me ajudou a ir para essa área foi que, mesmo eu ainda não trabalhando com entretenimento, eu produzia conteúdo sobre isso. Foi uma forma de ser lembrada pelos meus chefes e outros profissionais que era um assunto que eu gostava e entendia. Tanto que quando abriu uma vaga de entretenimento na Band, pensaram em mim e foi quando eu saí do hard news e comecei a ser social media do programa Pesadelo na Cozinha. Não acho que você precise aparecer diante das câmeras falando sobre o assunto, até porque nem todo mundo quer ficar na frente das câmeras. Se é o que quer, se jogue! Mas se não é, há alternativas. Você pode escrever sobre o assunto no seu Instagram, postar resenhas/críticas nos stories, no feed, falar de curiosidades. Isso ajuda. Há muitos formatos para se seguir. Ah, cursos na área são legais tanto pra aprender como pra networking, como já falei aqui. Eu fiz um curso de críticas de filmes e séries e conheci pessoas por lá com quem hoje interajo no meu atual trabalho. Um dos meus colegas hoje é da assessoria de uma grande produtora.