domingo, 20 de abril de 2025
InicialReportagens

Bullying no ambiente escolar

Problema que afeta crianças e adolescentes pode causar danos profundos e duradouros até a vida adulta.

Imagem: Aplicativo Netflix/ Print.

Por: Emilly Matos de Souza (aluna da disciplina Produção e Redação de Reportagem sob supervisão da professora Gabriella Luccianni)*.

O bullying é um conjunto de violências contra um indivíduo, como, agressões verbais, físicas, emocionais e psicológicas, causando ansiedade e depressão. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, 12,0% dos estudantes brasileiros com idades de 13 a 17 anos revelaram ter praticado algum tipo de bullying na escola e 23,% afirmaram que se sentiram ofendidos ou humilhados pelos colegas, nos trinta dias anteriores à pesquisa.

O artigo 3º da lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diz que é de responsabilidade do poder público local desenvolver, em conjunto com os órgãos de segurança pública e de saúde e a participação da comunidade escolar, protocolos para medidas de proteção à criança e ao adolescente contra quaisquer forma de violência no âmbito escolar.

Mas, na prática, casos de bullying são noticiados com frequência. Carlos Teixeira, o Carlinhos, de 13 anos de idade, morreu uma semana depois de ter sido agredido por dois colegas da escola. O caso aconteceu na Escola Estadual Júlio Pardo Couto, em Praia Grande (SP), no dia 9 de abril 2024. O adolescente precisou de atendimento médico, após ter sofrido agressões físicas de dois meninos da mesma escola, depois de pularem em suas costas. Carlinhos morreu após sofrer três paradas cardiorrespiratórias no dia 16.

Já em outra escola no Ceará, a dona de casa Priscila da Silva Lima, mãe da criança de 11 anos que teve as mãos e pés amarrados por colegas no dia 14 de janeiro de 2023, diz ao G1 Ceará “sempre teve bullying contra ele”. Após a agressão, o aluno estava sentado no chão e foi filmado pelos agressores.

Na Escola Municipal Antônio Evaristo de Moraes, em Senador Canedo, cidade da região metropolitana de Goiânia, o bullying é um problema. O funcionário da escola, Thiago Aguiar Araujo, auxiliar administrativo há 10 anos no local relembra o caso. “Esses dias mesmo tinha muita discussão de alunos no grupo do WhatsApp. Uma aluna estava xingando outra aluna, falando mal, falando que ela era gorda, falando que outro aluno era feio”, afirmou Thiago.

A diretora da Escola Municipal Doutor José Carneiro, também em Senador Canedo, Edna Maria Ferreira, que está na área da educação há 30 anos, explica como é elaborada a questão do bullying na instituição. “Trabalhamos muito pedagogicamente, não pode achar que é brincadeira, é um caso sério e tem que trabalhar a questão”, disse a diretora.

No Colégio Estadual João Carneiro dos Santos, em Senador Canedo, a diretora da instituição, Elaine Socorro Ferreira de Souza Santos, explica as campanhas realizadas contra o bullying. “Tivemos várias campanhas aqui. O bullying é um assunto muito abordado principalmente no primeiro semestre” afirma a diretora.

Apesar dos esforços institucionais, problemas relacionados ao bullying são frequentes. Professora  do Colégio Estadual João Carneiro dos Santos, Márcia Cristina de Jesus, que está na área da educação há 20 anos e já trabalhou em mais de uma instituição, explica que já presenciou brigas verbais e físicas entre alunos durante sua trajetória e a mudança de comportamento do aluno de bullying, “Esse aluno é mais retraído, não socializa, não desenvolve, fica ali no cantinho dele, a prática da violência está presente o tempo inteiro, principalmente naquelas brincadeiras que são, entre aspas, inofensivas” comenta a professora.

A psicóloga Joice de Alcantara Silva aponta as principais mudanças de comportamento na criança e adolescente vítima de bullying:

  • Vítimas de bullying frequentemente apresentam sintomas de ansiedade e depressão, segundo estudos  de Hawker e Boulton (2000).
  • Tendência a se afastar de seus pares, resultando em solidão e dificuldade em formar novas amizades.
  •  Desempenho escolar inferior devido à falta de concentração e estresse emocional.
  • Algumas vítimas podem desenvolver comportamentos agressivos como forma de lidar com a situação ou tentar se defender. Estudos destacam que crianças que são vítimas também podem se tornar agressoras em resposta ao bullying sofrido.
  • O bullying pode levar a uma diminuição da autoestima, pois as vítimas começam a ver a si mesmas de forma negativa.
  • Algumas crianças desenvolvem sintomas físicos, como dores de cabeça ou estômago, devido ao estresse emocional causado pelo bullying.
  • O bullying pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos psicológicos mais graves, como por exemplo o Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT).

Na Secretaria Municipal de Educação de Senador Canedo, o gerente de Ensino Fundamental, Rialdo Rodrigues Viana, e a analista e psicóloga Educacional, Lidiane Xavier, explicam que a orientação é para que as escolas desenvolvam o Projeto Político Pedagógico (PPP) que define as diretrizes, o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, o que envolve também toda a comunidade escolar e as famílias. O bullying é tema de um dos macro campos do documento.

Casos reais

A mãe e dona de casa, Kelly Cristina Ferreira Costa comenta sobre o fato ocorrido com sua filha em um Colégio Estadual de Goiânia. “Me senti um pouco impotente e fiquei com raiva, um colega chamou minha filha de macaca.” Após isto, Kelly foi ao colégio conversar com a direção para tomar as providências, já que se trata de crime de racismo. Os pais do agressor optaram por retirar o filho do ambiente escolar.

Da ficção à vida real

No dorama Beleza Verdadeira, disponível na Netflix, a personagem Lim Joo Kyung sofre bullying dos seus colegas por ter acne no rosto e usar óculos. Nos episódios, a personagem troca de colégio e começa a aprender a se maquiar para esconder sua acne e usar lentes nos olhos.

A ficção se assemelha ao relato da universitária da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), Núbia Nunes da Silva, que sofreu o cyberbullying, prática agressiva no ambiente virtual, por meio de um grupo de aplicativo WhatsApp da escola, no ensino fundamental dois, oitava serie. “Desde muito nova eu tive acne, falavam que o meu rosto parecia um queijo, faziam gracinhas, porque tenho muitos pelinhos nos braços. Às vezes pensamos que somos culpados, mas somos vítimas”, afirmou a universitária. Com o passar do tempo a estudante falou com duas amigas e buscaram apoio na coordenação da escola.

Como identificar se seu filho é alvo do bullying?

A psicóloga Joice explica os principais sinais de que a criança ou adolescente é vítima de bullying:

  • Mudanças de comportamento: se a criança se torna mais reclusa, ansiosa ou irritável sem uma explicação clara, isso pode ser um sinal de que ela está enfrentando dificuldades sociais.
  • Alterações no desempenho escolar: quedas nas notas, falta de interesse nas atividades escolares ou dificuldades em se concentrar podem indicar que a criança está lidando com estresse emocional.
  • Mudanças no sono: problemas como insônia, pesadelos frequentes ou sonolência excessiva podem ser sinais de ansiedade relacionada ao bullying.
  • Queixas físicas: dores de cabeça, dores de estômago ou outros sintomas físicos sem uma causa médica aparente podem ser manifestações do estresse emocional causado pelo bullying.
  • Evitar situações sociais: se a criança começa a evitar ir à escola, participar de atividades extracurriculares ou encontrar amigos, isso pode indicar que ela está enfrentando problemas sociais.
  • Baixa autoestima: comentários negativos sobre si mesma ou expressões de insegurança podem indicar que a criança está se sentindo menosprezada ou desvalorizada.
  • Mudanças nos relacionamentos: se a criança começa a ter dificuldades em manter amizades ou se afasta de amigos próximos, pode estar passando por experiências negativas.
  • Comportamento agressivo ou reativo: algumas crianças que são vítimas de bullying podem começar a apresentar comportamentos agressivos ou reativos como uma forma de defesa.
  • Desinteresse por atividades anteriores: se a criança perde o interesse por hobbies ou atividades que antes gostava, pode indicar um estado emocional preocupante.
  • Relatos diretos: às vezes, as crianças podem verbalizar diretamente suas experiências. Prestar atenção no que seu filho diz sobre sua vida escolar e amigos é crucial.

Motivações do agressor

A psicóloga explica o porquê de o agressor cometer violência com outros alunos. “Do ponto de vista da psicologia, existem várias razões que podem explicar porque um agressor comete bullying. Essas motivações podem variar de acordo com o contexto individual e social”, alguns fatores comuns são:

  • Necessidade de poder e controle: muitos agressores buscam afirmar sua superioridade ou controle sobre os outros. O bullying pode ser uma forma de se sentir poderoso em um ambiente onde eles se sentem inseguros ou impotentes.
  • Baixa autoestima: paradoxalmente, alguns agressores podem ter uma autoestima baixa e usam o bullying como uma maneira de se elevar. Ao menosprezar os outros, eles tentam se sentir melhor consigo mesmos.
  • Influência do ambiente familiar: o comportamento dos agressores muitas vezes reflete o que eles vivenciam em casa. Se cresceram em um ambiente onde a agressão ou a falta de empatia são normais, é mais provável que reproduzam esses comportamentos.
  • Busca por aceitação social: em alguns casos, o agressor pode ser influenciado por grupos sociais ou pares, usando o bullying como uma maneira de se integrar ou ganhar aprovação de outros. Isso é comum em ambientes escolares, onde a pressão dos colegas pode levar a comportamentos agressivos.
  • Falta de habilidades sociais: alguns agressores podem não ter desenvolvido habilidades adequadas para interagir socialmente e, portanto, recorrem ao bullying como uma forma de lidar com sua própria inabilidade em se relacionar positivamente com os outros.
  • Imitação de comportamentos: crianças e adolescentes tendem a imitar comportamentos que observam em seus modelos, seja na família, na mídia ou no ambiente escolar. Se eles veem comportamentos agressivos sendo recompensados ou não sendo punidos, podem achar que esse é um modo aceitável de agir.
  • Problemas emocionais ou comportamentais: alguns agressores podem ter problemas emocionais não resolvidos, como raiva ou frustração, que se manifestam através do bullying. Isso pode ser uma forma de externalizar suas próprias lutas internas.
  • Dessensibilização à violência a exposição contínua à violência: seja através da mídia ou experiências pessoais, podem levar à dessensibilização e à normalização do comportamento agressivo.

Compreender essas motivações é crucial para abordar o problema do bullying de forma eficaz. Intervenções que visem tanto as vítimas quanto os agressores podem ajudar a criar ambientes mais saudáveis e promover empatia e respeito nas relações sociais.

O papel da terapia para a vítima

A psicóloga Joice comenta a importância da terapia na vida da criança ou adolescente que sofreu bullying. “Terapia pode ser extremamente importante para vítimas de bullying por várias razões”:

  • Processamento emocional: a terapia oferece um espaço seguro para que a vítima possa expressar e processar suas emoções, como tristeza, raiva, ansiedade e medo. Isso é essencial para lidar com o impacto emocional do bullying.
  • Desenvolvimento de habilidades de enfrentamento: um terapeuta pode ensinar estratégias de enfrentamento saudáveis para lidar com a dor e o estresse causados pelo bullying. Essas habilidades podem ajudar a vítima a reagir de forma mais eficaz às situações difíceis.
  • Aumento da autoestima: muitas vítimas de bullying sofrem com baixa autoestima. A terapia pode ajudar a reconstruir a autoconfiança, promovendo uma autoimagem mais positiva e ajudando a vítima a reconhecer seu valor.
  • Empoderamento: a terapia pode ajudar as vítimas a se sentirem mais empoderadas, fornecendo ferramentas e técnicas para se defenderem e estabelecerem limites em situações de bullying.
  • Mudança de perspectiva: conversar com um profissional pode ajudar a vítima a ver a situação sob uma nova luz, promovendo uma compreensão mais profunda do que aconteceu e ajudando-a a se distanciar emocionalmente do evento.
  • Prevenção de problemas futuros: a terapia pode abordar as consequências do bullying, como ansiedade ou depressão, prevenindo que esses problemas se agravem ou se tornem crônicos no futuro
  • Construção de relações saudáveis: o processo terapêutico pode ajudar a vítima a desenvolver habilidades sociais e relacionais, promovendo interações mais saudáveis com os outros.
  • Estabelecimento de objetivos: um terapeuta pode ajudar a vítima a definir metas pessoais e sociais, incentivando-a a buscar novas experiências e relacionamentos positivos e enriquecedores.
  • Suporte psicológico continuado: ter um espaço regular onde se pode falar sobre experiências e desafios pode ser um suporte importante durante o processo de recuperação.

A psicóloga comenta ainda que “a terapia não apenas ajuda as vítimas de bullying a lidarem com os efeitos imediatos da agressão, mas também as prepara para um futuro mais saudável e resiliente. É uma ferramenta valiosa para promover bem-estar emocional e mental.”

*O conteúdo produzido e publicado no Impressões é resultado de um processo de aprendizado pedagógico dos estudantes do curso de Jornalismo da PUC Goiás.