quarta-feira, 23 de outubro de 2024
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Igualdade no esporte e direitos humanos: uma reflexão urgente

Discussões sobre a inclusão de atletas transgêneros, casos de racismo e a influência de normas internacionais marcaram o debate

Print de tela da palestra, transmitida pelo canal da PUC Goiás no Youtube

Por João Fellipe Reges, Eduardo Medrado e Vitor Spíndola.

A PUC Goiás, como parte do X Congresso de Ciência, Tecnologia e Inovação, trouxe à tona uma questão tão atual quanto necessária: a interseção entre os direitos humanos e a igualdade no esporte. Realizada no dia 18 de outubro, a palestra “Igualdade entre Competidores no Esporte e Direitos Humanos”, proferida pelo renomado professor Wladimyr Camargos (UFG), fez um mergulho profundo em temas que desafiam as estruturas tradicionais da competição esportiva global.

Com uma bagagem acadêmica robusta, Camargos — doutor em Direito Constitucional e uma das principais vozes no Direito Esportivo no Brasil — não poupou palavras para escancarar como as normas desportivas globais podem, muitas vezes, falhar em oferecer condições iguais para todos os competidores. Em uma análise meticulosa e provocativa, ele ressaltou como o esporte, apesar de ser tradicionalmente visto como o palco da meritocracia, ainda está longe de garantir justiça plena a seus atletas.

Um dos pontos altos da palestra foi o estudo de caso sobre a boxeadora argelina Imani Khelife, alvo de um escândalo nos Jogos Olímpicos de 2024. Khelife enfrentou uma enxurrada de críticas relacionadas à sua aparência física, sendo atacada publicamente por figuras influentes, como Donald Trump e Elon Musk. “Este caso é um claro reflexo de como a sociedade ainda vê a mulher no esporte: sob um microscópio de conformidade estética e de gênero”, afirmou Camargos.

Mas os problemas não param por aí. O professor destacou a importância da Lex Sportiva, um conjunto de regras globais que governam o esporte, e a tensão constante entre a igualdade de condições e as normas estabelecidas. Para Camargos, embora as federações esportivas internacionais, como o COI, operem com certo grau de autonomia em relação às jurisdições nacionais, isso não as exime de garantir que todos os competidores tenham as mesmas oportunidades. O doping foi citado como um exemplo claro de ameaça à paridade de armas — um princípio básico da competição esportiva.

No entanto, a questão mais complexa abordada durante a palestra foi a transição de gênero e as diferenças biológicas entre atletas. Casos como o de Caster Semenya, que teve sua carreira no atletismo obstaculizada por conta de sua condição hormonal natural, evidenciam o quão desafiador é conciliar os direitos humanos com as exigências de justiça no esporte de alto rendimento.

Além disso, Camargos abordou temas extremamente sensíveis, como o racismo estrutural presente no esporte. “A carreira de Vinícius Júnior nos lembra que a igualdade no esporte vai muito além de regras. Ela é também uma questão de cultura, de aceitação e de respeito”, pontuou.

A palestra, embora focada nos aspectos jurídicos e desportivos, tocou o público ao convocá-lo para uma reflexão mais ampla sobre o papel do esporte na promoção da dignidade humana. Não há, segundo o professor, esporte justo sem a consideração dos direitos humanos — algo que as federações e organizações esportivas precisam encarar com urgência.

O evento, parte do Congresso da PUC Goiás, abriu um espaço valioso para discutir as falhas e os avanços no esporte em relação à equidade, e deixou um recado claro: é preciso agir para que o esporte seja um verdadeiro exemplo de justiça social. A mediação foi realizada pelos professores José Querino Neto (PUC/UFG) e Gil de Paula(PUC Goiás).