quarta-feira, 23 de outubro de 2024
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Conferência discute diversidade, desafios e importância global do Cerrado

Palestrantes abordaram ecologia, devastação, legislação e projetos científicos relacionados ao Bioma.

Mesa de abertura da Conferência realizada no Teatro do Campus V da PUC Goiás.

Por Marrythelle Andrade e Sofia de Araújo.

A necessidade urgente de proteção e conservação do Cerrado, um dos biomas mais ricos em biodiversidade e, ao mesmo tempo, um dos mais ameaçados do Brasil, foi tema da palestra ministrada pelos professores doutores  Luciane Martins de Araújo, José Antonio Tietzmann e Mariana Telles, que auxiliaram os participantes do X Congresso de Ciência e Tecnologia da PUC Goiás a  entenderem as diferentes dimensões da crise enfrentada pelo Cerrado — da ecologia à legislação até as iniciativas científicas.

Araújo destacou a importância global do Cerrado, descrevendo-o como uma savana altamente biodiversa e única, formada há cerca de 65 milhões de anos. De acordo com a pesquisadora, o bioma é mais diverso que a savana africana, sendo o “Berço das Águas” do Brasil. Oito dos doze principais rios do país nascem ou passam pelo Cerrado, o que demonstra sua relevância para a regulação hídrica do Brasil.

A professora explicou que o Cerrado tem um papel sistêmico, conectando-se a outros biomas, como a Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica. No entanto, esse bioma crucial está sendo rapidamente degradado pelo desmatamento, especialmente na região de Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde a expansão do agronegócio tem transformado vastas áreas em plantios de soja e pastagens.

Araújo destacou que o Cerrado possui grande importância para o equilíbrio ambiental do Brasil e do mundo. Ela propôs soluções como a “agricultura regenerativa” e os “sistemas agroflorestais”  como caminhos para a conservação do bioma, enfatizando a necessidade de políticas públicas voltadas para essa causa.

José Antonio Tietzmann abordou o “aspecto jurídico da proteção da biodiversidade.” Ele lembrou que, apesar de sua importância, o Cerrado ainda não é reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição de 1988, o que o torna vulnerável à exploração descontrolada.

O professor mencionou importantes marcos internacionais, como a Declaração de Estocolmo (1972), que estabeleceu a responsabilidade humana na preservação ambiental, e o Protocolo de Nagoia (2010), que trata do uso sustentável da biodiversidade. No entanto, no Brasil, apenas 8,21% do Cerrado é protegido por Unidades de Conservação (UCs), com apenas 2,85% sendo áreas de proteção integral. Isso significa que o Cerrado ainda é tratado como um “patinho feio” entre os biomas brasileiros.

Tietzmann refletiu sobre ”como proteger os seres vivos do Cerrado, se não conseguimos proteger o próprio ambiente em que eles vivem?” Ele alertou que estamos perdendo uma parte significativa de nossa biodiversidade sem sequer conhecê-la completamente.

A professora Mariana Telles trouxe à tona as descobertas científicas e os desafios enfrentados por pesquisadores que trabalham na conservação do Cerrado. Ela apresentou dados alarmantes sobre a diminuição dos recursos hídricos, como o caso do Rio Araguaia, que perdeu cerca de 40% de sua vazão em 2024.

Telles destacou o impacto do desmatamento que, com a intensificação da fiscalização na Amazônia, tem se deslocado para o Cerrado, que muitas vezes é deixado de lado. Um exemplo disso, segundo ela, é que os investimentos em conservação no estado de Goiás são de apenas 0,15% do orçamento, uma quantia ínfima diante da importância do bioma.

A pesquisadora também apresentou o Projeto Araguaia Vivo, uma iniciativa que busca monitorar e preservar a biodiversidade do Cerrado. Ela mencionou o uso de DNA ambiental (eDNA) para estudar a saúde dos riachos e identificar espécies em áreas onde o conhecimento científico ainda é limitado. Além disso, ela ressaltou a importância da atuação multidisciplinar na proteção do Cerrado, integrando biólogos, cientistas, agricultores e políticos para uma abordagem mais ampla e eficaz.