quarta-feira, 23 de outubro de 2024
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Professor da UFPI, Silvio Henrique Vieira lança livro sobre imprensa e censura

Por: Douglas Alves, Fernando Henrique e Sônia Maria

Nesta entrevista concedida aos estudantes do curso de Jornalismo da PUC Goiás, Silvio Henrique Vieira Barbosa fala sobre sua experiência acadêmica e profissional.

Doutor em Ciências da Comunicação e jornalista, Silvio Henrique Vieira Barbosa, além de já ter atuado em grandes emissoras do Brasil, foi editor chefe do telejornal da maior rede de televisão dos Estados Unidos, a CBS. Hoje ele divide seu conhecimento como professor na Universidade Federal do Piauí, onde é diretor da Rádio Universitária.

Nesta entrevista, concedida durante o Encontro Nacional de Ensino de Jornalismo (ENEjor), Silvio Henrique lembra as experiências vividas em 25 anos no mercado, como as principais diferenças entre atuar em emissoras nacionais e internacionais, a produção do documentário “Vale do Rio Doce” e do livro “Imprensa e Censura”.

Impressões: Em sua oficina ‘Produção de Reportagem e Audiovisual’ ministrada no ENEJor, você citou vários de seus trabalhos, como a TV Globo, no Brasil, a Rede Bandeirantes, a TV Gazeta. Além disso, citou também seu trabalho na rede internacional CBS, dos Estados Unidos. Qual a principal diferença de se trabalhar em uma emissora internacional? 

Silvio Vieira: Quando trabalhei na CBS, em 2000, a principal diferença que percebi realmente foi a tecnologia. Saí do Brasil, da TV Bandeirantes, com as câmeras sendo operadas ainda por cinegrafistas dentro do estúdio. Quando cheguei em Miami, o estúdio da CBS já era todo robotizado. Eram câmeras-robôs que, de dentro da central técnica do switcher, você controlava, virando lado, altura. Achei muito impressionante. E só muito recentemente, agora, no século 21, é que fomos ter essas câmeras, câmeras-robôs, dentro das TVs. Em São Paulo, a Globo tem uma câmara-robô, que percorre todo um trilho, faz um movimento até chegar no apresentador. A abertura do Jornal da Globo é um exemplo. O Jornal Nacional também tem essa mesma câmara, percorre todo o trilho da redação até parar e cortar para câmeras-robôs também no chão, que mostram os dois apresentadores, William Bonner e Renata. A tecnologia para eles sempre foi muito barata, não há grandes impostos, enquanto, para a gente, não. Tecnologia importada é muito cara. Como eu trabalhei numa rede internacional, a CBS americana, Columbia Broadcasting System, nós contávamos com escritórios no mundo inteiro, então, se precisasse de alguma coisa de Moscou, eu teria. Alguma coisa de Londres ou de Tóquio, eu teria, porque as afiliadas da CBS nesses países mandariam essas imagens imediatamente para nós. Enquanto aqui, no Brasil, nós temos essa limitação de correspondentes internacionais. O mundo estava interligado à CBS, era muito fácil conseguir qualquer imagem internacional por isso. Claro que hoje, com internet, uma pessoa que está nas ruas de Tóquio pode gravar uma cena do terremoto e postar imediatamente e a gente vai ter esse acesso também. Mas, na época, não tínhamos essa facilidade do celular e, principalmente, a câmera do celular não existia. 

Impressões: Hoje o senhor administra uma Rádio Universitária na Universidade Federal do Piauí. Como é dirigir essa rádio, que tem a programação das 8h da manhã às 9h da noite e programas feitos por alunos? 

Silvio Vieira: Contamos com uma equipe muito enxuta. Temos dois servidores concursados, que são técnicos, técnicos de estúdio, técnico de som, dois servidores terceirizados, que são produtores de jornalismo e nove bolsistas, mas, com pouca gente, conseguimos fazer uma programação quase toda ao vivo e com reportagens produzidas por nosso próprio pessoal. As pautas começam a ser discutidas no dia anterior, gravamos pelo próprio WhatsApp, como não temos uma viatura para levar os alunos para as entrevistas. Você liga para a pessoa, faz a pergunta, ela grava a resposta, você baixa no seu computador, num programa chamado Audacity e edita. É um programa gratuito e isso favorece muito o nosso dia a dia. Então, nota-se que a tecnologia está facilitando demais a produção do jornalismo sob esse aspecto de não ter que se locomover mais até o evento, conseguimos as sonoras do evento dessa forma. O único problema é perder o contato do jornalista com essa fonte de notícia. O ideal é que o jornalista fosse até lá para entrevistar cara a cara, porque o olho no olho revela muita coisa numa entrevista. Mas, nesse caso, é o que podemos fazer. E, ainda assim, é melhor transmitir essa informação sem o olho no olho, porém, uma informação correta sobre questões de serviço, cidadania, direitos e deveres, afinal, somos uma rádio educativa.

Impressões: O senhor comentou em sua oficina que, na produção do documentário “Vale do Rio Doce”, vocês não tinham uma pauta fixa, uma pauta definida. Isso dificultou ou facilitou o trabalho?

Silvio Vieira: Tínhamos uma ideia genérica, que era mostrar a destruição causada pelo rompimento da barragem da Vale do Rio Doce, no município de Mariana em Minas Gerais, acompanhando todo o Rio Doce até desaguar no oceano Atlântico. Foram, portanto, seis ou sete municípios até chegar ao mar, desde Mariana, lá nas montanhas de Minas. A pauta era entrevistar todo mundo que conseguíssemos. Mas não tínhamos marcado com ninguém, então, o que fizemos foi aquela coisa de vasculhar mesmo, de apurar. ‘Quem será o melhor personagem para entrevistarmos aqui nessa cidade?’ E, à medida que a gente ia caminhando, tivemos muita sorte, porque os mineiros são bons, são falantes, eles gostam de conversar, de contar casos. Não tivemos nenhuma negativa, todo mundo que a gente entrevistou, o fez, respondeu de boa. Menos a Vale do Rio Doce, que recusou três vezes os pedidos de entrevistas por motivos estratégicos. Fizeram uma grande burrada ali e não queriam levantar mais poeira, preferiram se calar. Então é isso não precisa ter uma pauta tão detalhada assim para gravar um especial, nós tínhamos em linhas gerais e saímos gravando, com o maior número de pessoas que podíamos. Isso lembra um pouco o cinema francês dos anos 1950, que o norte era assim: os diretores falavam, uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, o restante a gente sai gravando, as pessoas na rua conversando com elas e produz o que pudermos apurar de tudo isso. Usamos quase todos os personagens, claro que nunca usa tudo o que é gravado, em média, joga-se fora um terço à metade da produção, porque não cabe dentro do seu produto. Você fica até triste de pensar que poderia ter feito um especial de uma hora e meia, mas a sua proposta era um média metragem, não um longa metragem. 

Livro lançado durante o ENEjor, em Goiânia

Impressões: Sobre seu livro, ‘Imprensa e Censura’, o senhor comenta sobre os tipos de censura que comprometem a atuação da imprensa. Sabe-se que, neste meio, existe uma linha tênue entre censura e liberdade de expressão. Como é lidar com essa linha dentro das emissoras? 

Silvio Vieira: Uma das censuras que existe e que é muito rigorosa é a própria auto censura do jornalista. Aquele jornalista que, por medo de perder um anunciante, de uma pressão política, de uma violência, deixa de dar uma notícia. Essa é a pior das censuras, a auto censura, que está muito presente nas redações. Ao  trabalhar em determinadas mídias, você sabe qual é a linha ideológica, sabe o que você pode e o que não pode falar. Em determinada mídia você não pode falar do MST, do Movimento dos Sem Terra. Em outra, você não pode falar em defesa do agronegócio. Então, as linhas ideológicas também tolhem a forma como você vai trabalhar. E, no final das contas, o mesmo jornalista pode acabar trabalhando nessas duas mídias, tendo essa ciência de que está se auto censurando. Mas a censura mais frequente que vemos hoje em dia no Brasil é a censura judicial, ‘uma pessoa acusada de alguma coisa solicita uma liminar à justiça proibindo a imprensa de divulgar aquilo’. Isso é a pior censura que existe, porque se é um fato de interesse público, deve circular. E muitas vezes os juízes dão, sim, uma liminar dizendo, ‘Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, vocês não podem falar sobre determinado assunto’. Nós tivemos uma operação da Polícia Federal no Estado do Maranhão chamada Boa e Barriga, que envolveu o filho do senador José Sarney, ex-presidente da República. O filho dele era suspeito de fazer lavagem do dinheiro sujo. Ele teve irmã governadora, irmão deputado, pai presidente, enfim, uma série de suspeitas em torno dessa família. Ele entrou com o pedido de liminar no Tribunal de Justiça de Brasília e um desembargador, amigo da família, concedeu e proibiu o Estado de São Paulo de dar qualquer notícia que envolvesse ele, filho da família Sarney, nesse escândalo, sob alegação de que poderia ferir o direito à honra e ao bom nome dele e da família. Quando, na verdade, essa família não tem bom nome, todo mundo já sabe o que eles são. O poder político interfere no nosso judiciário, tem essa capacidade de impedir a circulação de notícias até mesmo de um jornal tão importante como o Estado de São Paulo, um jornal rico que pode pagar advogado em Brasília e demorou anos pra conseguir derrubar essa proibição. Se você vê isso com uma grande mídia, imagina as pequenas, regionais, locais, municipais, que poder que um jornal aqui, local de Goiânia, vai ter pra pressionar se um grande jornal nacional fica anos lutando para divulgar uma notícia?

Nós temos visto também muita censura por parte do Supremo Tribunal Federal às redes sociais, mas aí a justificativa é outra, eles não estão transmitindo notícias, eles estão sim espalhando fake news, mentiras. Censurar mentira não é a mesma coisa que censurar informação, porque mentira não é informação, é desinformação. Nesse caso eu não considero que seja uma censura criticável, é uma medida correta de dizer ao povo. Vejam, essas informações são falsas, estamos proibindo que elas circulem, porque são falsas, está provado que isso é mentira, está provado que não têm um golpe comunista aí, está provado que a vacina da Covid não nos mata de paralisia ou parada cardíaca. É bobagem acharmos que isso é censura e deveria ser proibido. Não, isso é a correta aplicação da nossa legislação. A mentira não pode ser espalhada por aí, como se verdade fosse.