quarta-feira, 23 de outubro de 2024
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Terceirização da Limpeza Pública em Goiânia: Desafios e Impactos na População

O descarte inadequado de lixo resulta em sérios problemas ambientais e de saúde pública que ocorrem quando os resíduos sólidos são depositados em locais inapropriados, como lixões, terrenos baldios ou aterros sanitários irregulares. A prática tem consequências significativas, como a infertilidade do solo, a contaminação de lençóis freáticos e outras águas de superfície, tornando-as impróprias para o consumo humano, o que afeta de forma direta a qualidade de vida da população. 

O serviço da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) passa por momentos de crise. Acerca disso, o prefeito Rogério Cruz chegou a promover uma força-tarefa de 24h, o Cidade Limpa, que recolheu cerca de 900 toneladas de lixo. A iniciativa foi uma resposta às cobranças da população goianiense nas mídias digitais e outros canais. O motivo principal da insatisfação era a quantidade de lixo acumulado nas ruas da capital. 

Sandriane Monteiro, moradora do Setor Centro-Oeste, afirma que agora a limpeza urbana no bairro é feita “duas vezes na semana”, mas que “já passaram até 15 dias sem recolher o lixo”.  

Maria do Rosário, moradora do Jardim América, reforça que o lixo ficou até “três semanas” sem ser recolhido. “Deixam acumular e o lote vazio ao lado da casa, as pessoas usam para jogar toneladas de lixo e ficam expostos por muito tempo”, pontua. 

Segundo a Comurg, os serviços de coleta nas regiões atendidas (sul, oeste e parte sudoeste) estão normalizados, não havendo nenhuma falha na cobertura. 

Goiânia vivencia um momento de transição na gestão da coleta de lixo. Em 2023, a Prefeitura Municipal terceirizou o serviço, antes conduzido pela Comurg, para o Consórcio Limpa Gyn, liderado pela empresa Quebec Ambiental, por dois anos. No contrato, iniciado em 22 de abril deste ano, o grupo deverá receber R$19 milhões mensalmente e assumirá trabalhos antes realizados pela Comurg. A partir de julho, o consórcio assume 100% da coleta em todas as regiões, com serviços de coleta de lixo domiciliar, seletiva, remoção de entulhos e varrição mecanizada de ruas e avenidas da capital. 

O valor do contrato com o consórcio, formado também pela Clean Master Ambiental Unipessoal, de Catalão, e pela CGC Concessões, de Brasília, chega a um montante de R$ 470,3 milhões para atuar durante um período que segue até 2026. O trabalho foi assumido no dia 22 de abril deste ano e é feito a partir da tecnologia europeia, que utiliza caminhões e maquinários como pá mecânica, carregadeira e varredeiras. O consórcio tem planos de assumir gradativamente cada serviço em toda a cidade até a data final de 24 de junho. 

Por meio de nota, o Consórcio explicou que no primeiro momento o objetivo foi trabalhar em dobro para recolher toneladas de detritos represados na cidade e levá-los ao aterro sanitário, atendendo a um plano de trabalho. “A limpeza urbana segue conforme planejamento estruturado pela Limpa Gyn”, reitera.

A Comurg segue executando os demais serviços, como poda de árvores, construção e manutenção de praças, pintura de meio-fio, varrição manual, rastelação, roçagem manual, com costal e mecanizada. Também mantém os quatro viveiros, plantio e manutenção dos canteiros públicos, limpeza das fontes públicas. Ainda está na cartela de serviços, a gestão dos cinco ecopontos disponibilizados pela Prefeitura para que a população possa descartar diversos tipos de resíduos de forma adequada, como bens domésticos estragados, pneus, sobras de construção civil, resíduos de podas de árvores, materiais recicláveis e óleos de cozinha e da Central de Logística Reversa, espaço mantido para o recebimento de equipamentos eletrônicos inservíveis. 

Descarte inadequado

A Central de Transbordo da Comurg, localizada próxima à GO-020, se transformou em um lixão a céu aberto. O local recebe 400 toneladas de lixo por dia. Atualmente há pelo menos 5,6 mil toneladas de lixo acumuladas, gerando mau cheiro e riscos à saúde – como possíveis doenças do sistema respiratório, problemas de pele e até mesmo câncer.  

Em fevereiro deste ano, a Comurg foi indiciada pela Polícia Civil por crime ambiental. A Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) iniciou as apurações no dia 1º de fevereiro, expondo a prática de poluição. A investigação revelou que a Central de Transbordo operava sem licença ambiental desde 2006 e sem condições adequadas para a disposição dos resíduos.

Para a especialista em Tratamento e Destinação Final de Resíduos Sólidos Fabíola Adaianne Oliveira, da Superintendência de Gestão Ambiental e Licenciamento Supgal, da Agência Municipal de Meio Ambiente, os principais desafios para melhorar o gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos (RSU) são “eliminar os pontos de descarte clandestino, aumentar a conscientização da população quanto a importância da devida separação e o descarte correto dos resíduos além da sustentabilidade econômica e financeira dos serviços públicos de limpeza urbana e manutenção do aterro sanitário”.

Fabíola enfatiza que quanto menos separado está o RSU, “mais resíduos são indevidamente destinados ao aterro sanitário.” 

Além da transição da Comurg para o Consórcio Limpa Gyn, ainda em dezembro de 2023, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) publicou um decreto que estabelece regras para o encerramento de 186 lixões em operação no Estado.

O programa “Lixão Zero” é uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente que visa a atender à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), com o objetivo de eliminar os lixões existentes no país e apoiar os municípios em soluções mais adequadas de destinação final dos resíduos sólidos, como os aterros sanitários.

A iniciativa terá duas fases: transição e definitiva. Na etapa de transição, os municípios devem apresentar estratégias, medidas e ações que visem a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos e redução da quantidade de resíduos a serem aterrados e, na fase definitiva, o Estado em parceria com os municípios deverá estabelecer soluções para a disposição ambientalmente adequada dos resíduos sólidos.  

Os municípios também serão obrigados a implementar o serviço de coleta seletiva seis meses após o decreto. A coleta deve alcançar no mínimo 10% da população urbana, de modo que o porcentual deve aumentar no mínimo 15% ao ano. Todo material deve ser enviado às cooperativas ou associações de catadores. Para 2024, a meta de eficiência é de 3% para recuperação de materiais recicláveis com aumento progressivo nos anos seguintes.   

Algumas recomendações de Fabíola para melhora das práticas de reciclagem doméstica e aumento da eficiência da separação dos resíduos recicláveis incluem um esforço conjunto entre poder público, iniciativa privada e população. “O poder público entra com a parte da legislação e fiscalização, a iniciativa privada com as tecnologias e operacionalização da logística reversa e a população através dos conhecidos três Rs, que são recusar, reutilizar e reciclar”, elucida.

Ainda segundo Fabíola, a população tem papel fundamental ao poder incorporar na rotina hábitos simples, como, por exemplo, aproveitar embalagens, não desperdiçar alimentos, reutilizar objetos e materiais, fazer a compostagem de resíduos orgânicos, tomar cuidados adicionais com resíduos perigosos, descartar resíduos nos dias e horários da coleta para evitar que sacos de lixo fiquem na rua, ensinar atitudes sustentáveis para as crianças e separar os resíduos em três frações: seca, que é reciclável; orgânica, destinada a compostagem doméstica; e resíduos que devem ser destinados para a coleta convencional destinada ao aterro sanitário.

O descarte inadequado de resíduos orgânicos, como restos de alimentos, pode atrair pragas, ratos e mosquitos, que são portadores de doenças. já a disposição errada dos restos de materiais orgânicos gera o chamado chorume, um líquido contaminante que pode poluir o solo e a água, além de emitir gás metano na atmosfera.   

Algumas das alternativas para tratamento adequados dos resíduos são a compostagem e a biodigestão. A compostagem é um processo de reciclagem do lixo orgânico, por meio do qual a matéria orgânica é transformada em adubo natural, para ser usado na agricultura e na jardinagem, substituindo o uso de produtos químicos. Já a biodigestão é anaeróbia e consiste na decomposição controlada da matéria orgânica na ausência do oxigênio. 

Para a especialista, “a compostagem doméstica é uma das soluções mais viáveis e adequadas à problemática dos resíduos orgânicos nas cidades”, no entanto a integração desses processos ao gerenciamento de lixo urbano “passa diretamente pela adesão da população em separar corretamente os resíduos, destinando para a coleta seletiva os resíduos recicláveis e os orgânicos e os rejeitos, para o aterro sanitário.

O lixo mal descartado também pode criar locais de reprodução para mosquitos transmissores de doenças, como dengue, Zika e Chikungunya, aumentando o risco de surtos das doenças. E, além dos impactos na saúde, o mau descarte dos resíduos também prejudica a vida selvagem, causando danos aos ecossistemas naturais e reduzindo a biodiversidade.

O descarte inadequado de resíduos eletrônicos, por exemplo, é de grande risco já que, de acordo com Fabíola, “os equipamentos eletroeletrônicos (EEE) possuem geralmente produtos químicos, como mercúrio, chumbo, cádmio, que podem contaminar o solo, atingir os lençóis freáticos, comprometendo a qualidade e a disponibilidade de água potável”.

Para esses tipos de materiais, a especialista recomenda a entrega de dispositivos antigos em pontos de coleta específicos ou recorra às empresas especializadas, que desmontam os aparelhos sem uso e destinam a carcaça, a bateria, as placas de circuito e os vidros de maneira adequada. 

Sobre os desafios enfrentados na gestão da limpeza pública, a especialista afirma que “a gestão dos resíduos é um grande desafio para a administração pública, devendo ser encarada por todos – poder público, iniciativa privada e população em geral”.

EQUIPE DE PRODUÇÃO JORNALÍSTICA:

Edição final: Carolina Zafino e Nathany Furtado.

Redação da reportagem: Gabriela Rezende, Luanna Mendes, Kézia Pimentel, Nathany Furtado.

Coleta de dados: Vitor Spíndola, Lucas Barbosa, Kézia Pimentel e João Fellipe Reges.

Supervisão Geral: Carolina Zafino (Jornalismo de Dados).

*O conteúdo produzido e publicado no Impressões é resultado de um processo de aprendizado pedagógico do curso de Jornalismo da PUC Goiás dos alunos na disciplina de Jornalismo de Dados.